“Reforma implode modelo de proteção social no Brasil”, afirma Marques

 

Jornal do Commercio

Manaus 

5 de maio 

 

Em entrevista ao Jornal do Commercio, o presidente do Unacon Sindical e Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, falou dos pontos negativos da Reforma da Previdência e como ela afeta os direitos dos trabalhadores do setor privado e do setor público.

 

Em meio à batalha da Reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, como alternativa de ajustar a atual situação econômica do Brasil, o presidente veio a Manaus e entregou nas mãos do deputado federal Marcelo Ramos (PR/AM), presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2019, um estudo técnico apontando 9 erros da PEC e algumas alternativas para a economia, com foco no emprego e na Previdência.

 

O presidente chamou atenção para o problema da desconstitucionalização e capitalização da Reforma da Previdência e reforçou que, em hipótese alguma, a reforma está onerando os mais ricos do Brasil, que de acordo com ele, irão passar ilesos em todo processo sacrificando apenas as camadas dos trabalhadores. Quanto ao funcionalismo público, ele  destacou a ausência de regras de transição que prejudicam os trabalhadores do setor, tirando deles um direito que foi adquirido em anos de trabalho.

 

Rudinei Marques é auditor federal de finanças e controle, especialista em auditoria e contabilidade em finanças governamentais e é doutor em filosofia. Em 2019 completa quatro anos frente à presidência do Fórum.

 

Jornal do Commercio – Como o Fonacate atua na busca dos interesses dos servidores públicos?

 

Rudinei Marques – O Fórum é composto por um grupo de carreiras que são altamente especializados em sua área de atuação, podemos pensar na diplomacia ou no fisco por exemplo, que são altamente competentes no âmbito da arrecadação tributária ou nos nossos colegas que atuam no Banco Central e Tesouro Nacional. E a luz desse acúmulo de experiências e conhecimentos técnicos temos atuado desde a reforma anterior no Governo Temer. Temos uma produção técnica que hoje acumulam milhares de páginas produzidas com estudo previdenciários, fiscais e tributários que mostram outras alternativas para o país que não precisasse restringir direitos sociais. Nós mostramos por exemplo, que o que o país gasta com aposentadoria e pensões, cada real tem um efeito multiplicador na economia, ele dinamiza a economia, principalmente nos municípios. Sabe-se que 80% dos municípios brasileiros hoje recebem mais recursos por conta de aposentadorias e pensões do que arrecadação própria ou de transferências de fundo de participação de municípios. Então, no momento que você tira esse dinheiro dos municípios, você está empobrecendo a economia e aquela economia se fragiliza a longo prazo. E nós temos chamado a atenção do Governo que ele não poderia fazer isso sob pena de agravar a situação econômica e fiscal. Ou seja, o Governo está fazendo uma reforma porque ele diz que ela é necessária para que o país saia de uma crise, e o que estamos mostrando é que a reforma pode agravar a crise. Essa é a parte do nosso trabalho, a produção de material técnico que possa fazer um contraponto dessa visão hegemônica do governo hoje materializada na figura do Ministro da Economia Paulo Guedes que vem com o ideal ultra liberal que não deu certo em outros países. Vemos que esse modelo que ele quer implantar aqui é um modelo que vem do Chile onde ele atuou por muitos anos e que o Chile hoje está revendo o que não deu certo, e não deu certo sob vários aspectos. E um deles é que os aposentados hoje estão sem dinheiro para comer e estão preferindo o suicídio do que viver uma vida indigna. E não deu certo também porque com a privatização da Previdência criaram-se fundo de pensão em outros países que vão no Chile que pegam o dinheiro das economias e aplicam fora do Chile, ou seja, nem para potencializar a economia local a partir da utilização dessa poupança dos grandes fundos previdenciais serviu a privatização da Previdência chilena, e é esse modelo que estão querendo implantar aqui no Brasil. Então nós temos denunciado que a capitalização é um grande erro, a desconstitucionalização dos parâmetros Previdenciais é um grande erro, porque significará uma faca apontada para o pescoço do trabalhador, ou seja, o Governo não ficaria mais obrigado a uma mudança constitucional que seria resolvida por uma lei complementar que seria muito mais fácil para aprovação. O Governo encaminhou um projeto que destrói o modelo social que temos no Brasil, em benefício única e exclusivamente dos grandes bancos que estão interessados nesses R$ 500 bilhões de receitas previdenciários que eles estão querendo abocanhar para maximizar seus lucros.

 

Jornal do Commercio – Qual a sua análise da atual conjuntura da reforma da previdência no Brasil no novo governo?

 

Rudinei Marques – A reforma da Previdência na forma em que ela foi encaminhada pelo congresso por meio da Proposta de Emenda Constitucional 006/2019 é uma reforma que só interessa ao sistema financeiro. Porque ela em nenhum momento, como o governo está falando, ela está onerando os mais ricos. Pelo contrário, a reforma está atingindo violentamente os mais pobres e aqueles que dependem de benefícios assistenciais, os trabalhadores rurais, as professoras sobretudo e os professos em geral. Então, é uma reforma que na verdade está destruindo o modelo de proteção social que nós temos no Brasil. Sabemos que o sistema de seguridade tem que sofrer ajustes de tempos em tempos,  em função das taxas de fecundidades e expectativas de vida que alteram com o tempo e da dinâmica do mercado de trabalho. Mas, uma coisa é ajustar o sistema, a outra é destruir o sistema. E foi isso que nós procuramos chegar ao presidente de comissão especial, o deputado Marcelo Ramos, que tem uma responsabilidade imensa em não permitir sob o pretexto de reforma, se destrua o modelo de proteção assistencial que temos no Brasil. Admitimos a necessidade de alguns ajustes no sistema de seguridade, mas entendemos que essa reforma implode o modelo de proteção social no Brasil. Além disso, não vai trazer soluções para a crise econômico-fiscal, pelo contrário, pode agravar a crise.

 

Jornal do Commercio – No atual cenário da Reforma da Previdência como fica a situação do servidor público?

 

Rudinei Marques – O servidor público está sendo atingindo na reforma na medida que o governo não está propondo nenhuma regra de transição, ou seja, nós temos hoje no setor público três grandes segmentos de servidores: aqueles que entraram antes de 2004 que já passaram por diversas Emendas Constitucionais. Eles têm uma regra que que exigem 60 anos de idade exigidas para homens e 55 para mulheres,  conjugado com o tempo de contribuição de 35 e 30 respectivamente. E o governo agora está mudando as regras do jogo no meio do jogo, e alguns servidores que faltam dois ou três anos para se aposentar, com as novas regras vão ter que trabalhar 12 ou 13 anos a mais.

 

Jornal do Commercio – Na prática, como você explica essa dinâmica no contexto dos servidores públicos?

 

Rudinei Marques – Pela regra de transição da PEC 006/2019, válida para servidores que estão na ativa, os requisitos para aposentadoria passam por grandes endurecimento: idade mínima de 61 anos homens e 56 mulheres, com aumento em 2022 para 62 e 57 anos. Tempo de contribuição de 35 anos para homens e 30 anos para mulheres. Ou seja, a pontuação mínima da soma da idade, mais o tempo de contribuição igual a 96 se homem ou 86 se mulher em 2019. Para as mulheres a pontuação aumenta 1 ponto por ano até 2033 (100 pontos), para os homens aumento de 1 ponto anual até 2028 (105 ponto), mais o tempo de serviço público de 20 anos e tempo no cargo de 5 anos. Assim, enquanto pelas regras atuais um servidor com 56 anos em 2019 e 30 anos de contribuição poderia se aposentar em 2024, pela regra de transição ele só atingiria o somatório de pontos em 2029, ou seja, pagaria um pedágio de 100% sobre o tempo que faltante para se aposentar, isso se se até lá conseguir preencher os 20 anos no serviço público contra os 10 atuais. Essa é a linha geral da reforma para todos os trabalhadores, trabalhar mais tempo, contribuir mais tempo e receber menos na aposentadoria. E o que nós temos cobrado é que tenhamos regras minimamente  razoáveis de transição, não se pode mudar as regras do jogo no meio do jogo. E se fizer isso para os trabalhadores têm que fazer com o mercado financeiro que compactua suas taxas de juros, seus contratos de empréstimos para o Estado e não permite que essas regras sejam alteradas. Da mesma forma queremos preservar o Estado de Direito nós não podemos mudar as regras a toda hora. Alguns ajustes são necessários, mas esses ajustes não podem ignorar um direito acumuado para quem já estava esperando o tempo de se aposentar. Então, o que estamos apresentando é um conjunto de Emendas para ajustar esses pontos que estão bastantes equivocados.

 

Jornal do Commercio – Qual sua análise sobre a Reforma Trabalhista?

 

Rudinei Marques – A Reforma Trabalhista tem um efeito muito negativo nas receitas previdenciárias. Porque? Porque ela acabou levando muitos trabalhadores para a informalidade. E na informalidade o trabalhador não contribui para o sistema. Então uma parte do problema que estamos vivendo hoje na Previdência se deve a uma reforma trabalhista mal feita, feita às pressas, feita mais uma vez para agradar o mercado. O maior problema é que comprometeu as contas públicas, e em resumo, quem acaba pagando as contas dos erros do Congresso e que o Governo tem cometido – como foi o caso de uma reforma trabalhista açodada, que levou a uma precarização imensa de mão de obra – quem paga a conta é o trabalhador da iniciativa privada e do setor público. Porque quando falam em déficit da Previdência ele atinge indistintamente todos os trabalhadores que são prejudicados por conta desse equívoco do Governo. Então temos denunciados lá atrás que ela seria desastrosa, não fomos ouvidos, e é o que a gente está constatando agora, ou seja, aumentou a informalidade, aumentou o próprio desemprego – pois essas essas receitas tem força para potencializar a economia – e a aumentou também o sofrimento do trabalhador que ele fica completamente descoberto das leis trabalhistas que podiam garantir um certo equilíbrio nessa relação desigual entre patrão e empregado.

 

Jornal do Commercio – Na atual situação econômica do país que ainda se recupera de uma crise, seria conveniente essa proposta do Governo?

 

Rudinei Marques – Esse momento é o pior momento de se fazer reforma no país porque nós tivemos em 2015 e 2016 duas quedas sucessivas do PIB (Produto Interno Bruto). E o que isso ocasiona? Uma redução grande da receita pública. Mas, o país tem potencial para crescer no mínimo 2% ou 3% ao ano. Se tivéssemos crescido pelo menos 2% ao ano, sequer estaríamos falando da reforma da Previdência porque teríamos dinheiro para pagar as contas. Então o governo escolheu o pior momento no sentido de que foram as quedas sucessivas do PIB que abalaram as contas públicas, só que o Governo não pode usar uma questão conjuntural – porque assim como a economia está em baixa ela também vai se recuperar –  o Governo está utilizando uma situação passageira para cortar direitos de forma permanente e absoluta, porque depois que o direito é cortado dificilmente outro Governo irá restaurar aquela situação anterior. E esse é outro dos grandes problemas que se dá a Reforma da Previdência que se dar em um momento muito inoportuno.