O Globo destaca críticas das entidades às mudanças que permitem indicações políticas no Coaf

“Toda a coalizão dos órgãos de combate à corrupção está sendo desmontada. É lamentável que esteja ocorrendo tamanha ingerência nas estruturas de Estado”, declarou Rudinei Marques

Representantes de carreiras que participavam do Conselho de Controle de Atividades Financeiras ( Coaf ) criticaram a mudança que vai permitir a indicação de qualquer pessoa para integrar a instância máxima do órgão , agora chamado de Unidade de Inteligência Financeira ( UIF ). O  plenário do órgão era formado por onze nomes ligados a estruturas definidas em lei, como a Receita Federal, Polícia Federal, Ministério da Justiça, entre outros. A Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro substitui o plenário por um Conselho Deliberativo com oito a 14 integrantes e retira a obrigação de que eles sejam servidores públicos, abrindo brecha para indicações políticas .

 

O plenário do Coaf é responsável pelo julgamento de processos administrativos que podem resultar em punições para as empresas que desrespeitarem as normas relacionadas à prevenção da lavagem de dinheiro. No ano passado, foram julgadas 132 ações, que resultaram em R$ 78,6 milhões em multas. Integram atualmente o plenário do Coaf nomes que participaram das investigações da Operação Lava-Jato, como os delegados Márcio Anselmo (indicado pela Polícia Federal), Érika Marena (indicada pelo Ministério da Justiça) e o auditor fiscal Gerson Schaan (indicado pela Receita Federal).

 

Presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva alerta para a chance de interferências indevidas em um órgão que trata de assuntos estratégicos:

 

– Qualquer mudança que abra a possibilidade de colocar num órgão de controle pessoas que sequer fazem parte do serviço público é muito difícil. Abre realmente espaço para nomeações políticas. Um órgão de controle deve estar o máximo possível distante de nomeações políticas.

 

Segundo Paiva, os exemplos recentes de ingerência do governo na Polícia Federal e na Receita Federal, forçando a troca de chefes no Rio, representam uma ameaça para o funcionamento dos sistemas de controle.

 

– Se você destruir a estrutura de nomeação dos órgãos e não construir uma estrutura que possa ter um mínimo de autonomia, vai colocar os órgãos em risco no futuro, porque a tentação de fazer nomeação política existe e vai existir sempre – disse o presidente da ADPF.

 

Em ofício direcionado a Bolsonaro, o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, defendeu a permanência do Coaf no Ministério da Economia e afirmou que a transferência para o Banco Central “não encontra respaldo na atual estrutura do sistema financeiro nacional”. O documento diz que é preciso “levar em conta a complexidade das organizações criminosas no Brasil, em especial no que tange à corrupção e à lavagem de dinheiro”.

 

O auditor de finanças e controle Rudinei Marques, presidente do Unacon Sindical, que representa os servidores da Controladoria-Geral da União (CGU), afirmou que as alterações vão prejudicar o trabalho desempenhado pelo Coaf:

 

– Toda a coalizão dos órgãos de combate à corrupção está sendo desmontada com a previsão de que, no futuro, os técnicos que atuarão na nova unidade de inteligência financeira serão do Banco Central, o que piora com as restrições orçamentárias que o banco está sofrendo. É lamentável que esteja ocorrendo tamanha ingerência nas estruturas de Estado, em especial naquelas que tratam da prevenção e do combate à corrupção

 

Já o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Florisvaldo Machado, defendeu que o colegiado continue sendo integrado por servidores públicos especializados nas atividades de controle e prevenção de lavagem de dinheiro.

 

– A mudança causa certa apreensão, dadas as circunstâncias em que foi noticiada e diante da possível limitação de acesso às informações custodiadas pelo Coaf, como aparentemente sugere determinação recente do STF. A qualidade dos indicados, inevitavelmente, fica subordinada à capacidade e a vontade política de se nomear, tendo como premissa o interesse público. Nesse sentido, a presença de técnicos capacitados da CVM e do próprio Banco Central no Conselho Deliberativo parece-me indispensável.

 

O plenário do Coaf atualmente é formado pelo presidente do Conselho, Roberto Leonel, que vai deixar o cargo, e representantes indicados pelos seguintes órgãos: Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central, CGU, CVM, Polícia Federal, Ministério da Justiça, Secretaria de Previdência Complementar (autarquia do Ministério da Economia), Ministério das Relações Exteriores, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Receita Federal e Superintendência de Seguros Privados (Susep).