Portal destaca articulação dos servidores por uma reforma que aprimore o serviço público

Para o presidente do Fonacate, a reforma não pode ser feita a toque de caixa. Com o título “Uma longa queda de braço”, matéria foi publicada pela editoria de Economia no dia 28 de outubro

ECONOMIA

Uma longa queda de braço

Com a Nova Previdência aprovada pelo Senado, o governo tem pela frente o embate da reforma administrativa. Desta vez, um paredão de servidores públicos promete não facilitar as metas do ministro Paulo Guedes

 

por Paula Cristina

Após os embates para aprovação da reforma da Previdência, aprovada pelo Senado na quarta-feira 23 e agora aguardando a cerimônia de promulgação para que as novas regras de aposentadoria passem a valer, o governo federal terá de encarar outro desafio: a reforma administrativa. A mudança enfrenta forte resistência dos servidores públicos, já que prevê enxugar a máquina pública, rever salários e tornar mais ágil a contratação e demissão dos trabalhadores. Organizados por meio de uma frente parlamentar, eles defendem outros cortes no orçamento para reduzir o déficit do governo federal.

A organização dos servidores ocorre antes de a proposta oficial do Executivo chegar ao Congresso. Ainda que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha afirmado que a reforma administrativa será a próximo alvo, ainda não há uma texto formalizado. Dentro da Câmara, porém, outro projeto começará a ganhar celeridade. “Podemos utilizar um texto que não é do governo, se ele não tiver nenhum tipo de constrangimento e vaidade em relação a isso, para que a gente já possa começar debate do mérito nas próximas semanas”, declarou o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Enquanto a estratégia parlamentar é traçada, os atuais servidores estão articulados para barrar as alterações. Lançada na terça-feira 3 de setembro, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público defende que o governo reveja a necessidade de reduzir a folha do funcionalismo e busque outras formas de cortar despesas. “Não há lugar nenhum na Constituição que diz que os juros da dívida são mais importantes que outros gastos”, afirmou o economista Eduardo Moreira, integrante da Frente. Ele entende que há pontos na estrutura da carreira pública que precisam ser ajustados, mas a iniciativa precisa passar por discussão com a sociedade, servidores e governo. A base desse diálogo está no documento “Reforma Administrativa do Governo Federal: Contornos, Mitos e Alternativas”. Entre os dados apontados pela Frente está a despesa com folha de pagamento e encargos, que representou 4,4% do PIB em 2018. A cifra se mantém praticamente igual há duas décadas e é inferior à dos anos de 2000 a 2003 e também à de 2009.

PRIVILÉGIOS Os defensores da reforma argumentam que a estrutura atual gera casos de “privilégios absolutos”, engordando a máquina pública com trabalhadores que não buscam eficiência. “A forma como se desenhou a estrutura do servidor no Brasil é errada. A opinião pública é contra esse perfil de trabalhador porque o associa com pessoas folgadas, que trabalham pouco e agem com má vontade por ter estabilidade”, afirmou o economista Sérgio Trindade, doutor em contas públicas.

Para o presidente da frente na Câmara dos Deputados, Professor Israel Batista (PV-DF), a conta é outra. “A estabilidade permite que políticas públicas de Estado permaneçam, independente do governo que assuma, e garante que os servidores não sofram perseguições político partidárias.” Ele ressalta ainda que hoje existe um mecanismo para expulsão de profissionais. Entre 2003 e junho deste ano, foram desligados 7.588 servidores, 66% deles por corrupção, 24% por abandono, inassiduidade ou acúmulo ilícito de cargos. Ainda assim, há apoio da frente para aperfeiçoar os mecanismos de avaliação de desempenho, ética e conduta do funcionalismo.

Entre os argumentos para a mudança por parte do governo estão a falta de recursos financeiros e a insustentabilidade da estrutura atual, o que motivaria a Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Uma solução é aproximar os salários aos da iniciativa privada, impedindo, por exemplo, que progressões automáticas levem a ganhos astronômicos. Paulo Guedes já afirmou que as mudanças radicais só atingiriam novos contratados, após a aprovação do Legislativo. Servidores que já atuam na União poderiam ser afetados com a revisão de benefícios e programas de qualificação, em casos de baixo desempenho.

A proposta a ser desenhada deve trazer alteração nas regras do estágio probatório, hoje de três anos, condicionando a efetivação a uma análise de desempenho. O texto ainda deve criar a figura do servidor temporário, e até contratações via CLT. Em evento na capital paulista, no início de outubro, Guedes citou a possibilidade de uma trava nos reajustes salariais para os entes da federação que gastem mais de 80% com folha de pagamento. As medidas de readequação de salários dos entrantes e aumento mediante desempenho poderiam gerar, até 2030, economia de R$ 389 bilhões, segundo levantamento do Banco Mundial feito a pedido do ministério da Economia.

“O governo tem apresentado essa ideia de redução das tabelas, bem como das carreiras, porém não apresentou qual o novo modelo”, diz Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Para o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, a reforma administrativa deveria aprimorar a máquina pública, mas não pode ser feita a toque de caixa.

Ainda que as mudanças valham apenas para os novos funcionários, a diferença seria parruda. Segundo estimativas do governo, hoje são 705 mil trabalhadores no Executivo, sendo que 127 mil vão se aposentar nos próximos cinco anos. Mesmo que o número de funcionários pareça alto, está abaixo da média global. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os empregados no setor público, nos três níveis da federação, somaram 12,1% da população ocupada, contra média internacional de 21,3% (confira o gráfico ao final da reportagem).

Nos bastidores do Congresso, fala-se que a proposta de reforma reduzirá até 80% o número de categorias do funcionalismo público, passando de 117 para 30. “Estamos articulando para acelerar a leitura do texto que já está na Câmara e depois incluir pontos a pedido do Executivo. Há adesão dos partidos que apoiaram a Previdência”, afirmou, sob condição de anonimato, um deputado ligado à base aliada do governo. Questionado sobre as mudanças, o presidente Jair Bolsonaro foi taxativo: “Nunca discuti esse assunto com quem quer que seja.” No Executivo, a responsabilidade sobre o texto é de Gleisson Rubin, secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. Segundo o Tesouro Nacional, gastos com pessoal somam 22% das despesas primárias totais do governo. Em outubro estudo, o Banco Mundial, 23% dos gastos da folha de pagamentos do governo em 2030 serão com servidores contratados a partir de 2019. A projeção para alta real da folha de pagamentos de ativos até 2030 é de 1,12% ao ano.

PRÊMIO SALARIAL

Entre 2008 e 2018, o avanço real médio da folha de pagamentos da União foi 2,5% ao ano, de R$ 105,4 bilhões para R$ 132,7 bilhões. Em 10 anos até 2018, o gasto com pessoal ativo do poder executivo federal subiu 2,5% ao ano. De acordo com as projeções da proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, os gastos com servidores públicos avançariam de R$ 326 bilhões em 2019 para R$ 338,1 bilhões em 2020; R$ 350 bilhões em 2021 e R$ 363,3 bilhões em 2022.

O economista Sérgio Trindade lembra que o governo enfrentará o desafio de captar talentos caso aprovada a reforma em todos seus detalhes. “Se não há vantagens [quando comparado à iniciativa privada] o que irá levar os bons profissionais ao serviço público?”, questiona. Hoje os servidores federais recebem, em média, prêmio salarial 96% maior que um trabalhador em cargo equivalente na iniciativa privada, informa o Banco Mundial. Na remuneração, a média do servidor é 19% maior que do mercado.