CGU vê irregularidades em 100% de cidades vistoriadas

O bairro Getúlio Vargas, na periferia de Aracaju (SE), abriga na sua principal rua um lote abandonado, com lixo, mato, e um casarão em ruínas. Neste local deveria existir há cerca de dois anos um posto de saúde para atender à população.
É um dos vários problemas apontados pela CGU (Controladoria Geral da União) na aplicação dos recursos federais.
Desde 2005, os fiscais da controladoria percorreram 9 das 100 maiores cidades do país para checar, por amostragem, lisura e eficiência dos projetos financiados com verba federal. Nas nove cidades a CGU encontrou indicação de irregularidades, como licitações forjadas, programas com beneficiários fantasmas, desperdício de equipamentos, sumiço de bens e superfaturamento.
Ao todo, foram apontados 652 indícios de irregularidades praticadas por prefeituras, governos de Estado ou ONGs, em convênios que totalizam R$ 428 milhões. Aracaju lidera esse ranking, com 237 apontamentos, sendo 27 considerados “graves”, em convênios que somam R$ 171 milhões.
A Folha foi a Aracaju checar a situação, já que o relatório da CGU foi concluído em novembro de 2006. O quadro encontrado mostra que problemas continuam, embora alguma coisa tenha sido regularizada.
Um caso exemplar: R$ 8.500 em verbas federais foram destinadas ao governo de Sergipe para instalação de central de alarme e rede de iluminação de emergência na Escola Estadual Atheneu Sergipense, a mais tradicional do Estado. Desde 2003, parte do material nunca foi usada. Outra, desapareceu.
Os principais indícios de irregularidades apontados pela CGU foram em saúde. O posto que deveria existir no bairro Getúlio Vargas, fruto de convênio de R$ 426 mil em 2004 entre prefeitura e governo federal, começou com problemas na licitação. A administração municipal declarou vencedora uma empresa que havia sido desclassificada pela comissão de licitação por apresentar preço inexequível. Detectada a irregularidade, a prefeitura disse que cancelaria a licitação.
Os fiscais também constataram que a prefeitura pagou indevidamente R$ 3.666 para limpeza e infra-estrutura do terreno antes de adquirir sua posse. O dono entrou na Justiça questionando o valor da desapropriação. Um ano e meio após a inspeção, a situação é a mesma. A prefeitura diz que está finalizando o procedimento para aquisição do terreno.
No bairro de Jabotiana, um dos mais pobres de Aracaju, foram gastos R$ 36 mil em março de 2006 em equipamentos. A Folha constatou que a obra ainda não começou.
No hospital Santa Isabel, o centro cirúrgico e as novas instalações da maternidade já deveriam estar funcionando desde 2002. O hospital ainda está em obras e busca recursos.
Onde a prefeitura seguiu a orientação da CGU, a visita da Folha detectou outros problemas. No posto do bairro Porto Dantas, a gestão municipal seguiu a orientação de pôr a farmácia em local com ar-condicionado. Mas a clínica-geral do posto, Jane Marinho de Passos, diz que falta dipirona injetável.
Em Macapá, cidade com mais indícios de irregularidades “graves”, o prefeito João Henrique Pimentel (PT) foi um dos 31 presos em 2004 pela Operação Pororoca da PF, que investigou desvios. Ele nega.
As outras cidades analisadas: Novo Hamburgo (RS), Belford Roxo (RJ), Maringá (PR), Londrina (PR), Taubaté (SP), Volta Redonda (RJ) e São José do Rio Preto (SP). Os relatórios estão no site www.cgu.gov.br.

Obra para atender 1.100 alunos se arrasta há 6 anos


Os fiscais da CGU encontraram, durante vistoria em 2006, a obra do Centro Estadual de Educação Profissional José Figueiredo Barreto abandonada. Orçado em R$ 761 mil, o local, na periferia de Aracaju, já deveria estar oferecendo curso profissionalizante a 1.100 alunos desde 2003.
Localizada no bairro Getúlio Vargas, a obra teve o convênio assinado em 2002, no governo de Albano Franco (PSDB). Em 2003, na gestão de João Alves Filho (DEM), a CGU constatou a paralisia da obra. O atual governo, de Marcelo Déda (PT), retomou as obras em 2007.
A situação hoje, porém, não é animadora. A Folha esteve na obra no dia 5. Havia dois operários no local, mas o trabalho estava parado. O secretário de Educação, José Fernandes de Lima, acusa a empreiteira Vetorial de não ter capacidade para realizar a obra e ameaça romper o contrato. A empresa atribuiu o atraso ao fato de ter de refazer boa parte da obra.

Responsáveis pelos contratos negam problemas

 Os gestores responsáveis pelos contratos questionados pela CGU negaram irregularidades e atribuíram os problemas ou a questões burocráticas e pendências jurídicas ou a gestões anteriores.
O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PC do B), disse que foram comprados equipamentos hospitalares antes da construção dos postos porque senão teria de devolver os recursos dos convênios. Sobre os outros problemas, afirmou que está trabalhando para resolvê-los. “Nós respondemos de forma convincente a todas as indagações [da CGU]. É importante haver fiscalização, defendo a fiscalização, mas o fato de haver indagações não significa que haja malversação. São problemas muitas vezes burocráticos”, disse.
A administração do posto de saúde de Porto Dantas disse que a falta do medicamento dipirona injetável não afeta o atendimento, pois é reposta por material de posto de saúde próximo.
A assessoria do governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), prefeito de Aracaju entre 2001 e 2006, afirmou que ele estava doente e não poderia falar. Seu secretário de Saúde, Rogério Carvalho, disse que as explicações foram dadas à CGU em 2006. A Secretaria de Educação afirmou que será aberto inquérito administrativo sobre o caso da escola Atheneu Sergipense. O ex-governador João Alves Filho (DEM) não foi localizado.
A procuradora-chefe da República em Sergipe, Eunice Dantas Carvalho, afirmou que vai analisar a papelada para definir se cabem ações cíveis e criminais.
O prefeito de Macapá (AP), João Henrique Pimentel (PT), disse que questionou judicialmente o relatório da CGU. A Prefeitura de Maringá informou que, nos convênios, “foram providenciados ajustes e soluções”.