Com informações do Sindilegis
Publicado em 16/05/2011
Apreensivo com a situação da dívida pública no país, o Sindilegis divulga um Manifesto Coletivo contra a Fragilização do Controle da Dívida. O documento tem como partida o Projeto de Resolução do Senado Nº 18, de 2010, que tramita na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa, com o “propósito de alterar a Resolução do Senado Federal Nº 43, de 2001, criada para fixar limites e condições adicionais para a contratação de operações de crédito, em complemento às normas estabelecidas pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Segundo o manifesto ainda, a Lei de Responsabilidade Fiscal constitui uma forma de defesa do exercício efetivo do controle social. “Inaugurado com esse propósito, o artigo 32, parágrafo quarto, da LRF prevê importante instrumento para o aumento da transparência dos financiamentos públicos, medida fundamental para o acompanhamento da dívida pública pela sociedade e pelos órgãos de controle” – destaca o texto.
O documento, assinado por entidades representativas de servidores públicos federais e da socidade civil, entre as quais o UNACON SINDICAL, será entregue nesta terça-feira (17) a diversos parlamentares, adverte que “instituições financeiras privadas poderão autorizar endividamento de bilhões, à revelia do setor público”, ressaltando também que “a dívida interna já ultrapassou a marca de R$ 2,5 trilhões”.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
MANIFESTO COLETIVO CONTRA A FRAGILIZAÇÃO DO CONTROLE DA DÍVIDA
As entidades representativas e organizações da sociedade civil que exercem o controle social vêm a público manifestar sua posição contrária à entrega da administração da dívida pública dos entes federados ao setor financeiro privado, prevista no Projeto de Resolução do Senado nº 18, de 2010.
Este Projeto de Resolução tramita na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE), com o propósito de alterar a Resolução Senado Federal (RSF) nº 43, de 2001, instituída para fixar limites e condições adicionais para contratação de operações de crédito, em complemento às normas estabelecidas pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A redação proposta para o § 7º do artigo 21 da RSF nº 43, de 2001, inova, e muito, o ordenamento da cabeça do artigo 32 da LRF, o qual estabelece, em seção específica referente à contratação de operação de crédito, que o “Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente”.
Não se trata de faculdade prevista pelo legislador complementar ao sistematizar o Estatuto Fiscal, mas de imposição legal, para a qual não há hipótese de exceção, e nem poderia haver. Tanto é assim que, em onze anos de vigência da LRF, a verificação prévia para contratação de operação de crédito sempre foi executada pelo Ministério da Fazenda, mais precisamente pela Secretaria do Tesouro Nacional, órgão federal que detém a prerrogativa de controlar a dívida pública e, sobretudo, os mecanismos de endividamento público.
A proposta sujeita à apreciação da CAE transcende a ordem jurídica quando pretende delegar às instituições financeiras privadas a responsabilidade pela verificação do cumprimento do disposto na LRF e na RSF nº 43, de 2001, competência legalmente reservada ao Ministério da Fazenda, cuja inobservância enseja responsabilização nas esferas administrativa, cível e penal, além de configurar condicionante legal para o ente receber transferência voluntária e obter garantia para contratação de novas operações de crédito. A inovação consiste em transferir às instituições financeiras (Bancos) a aprovação das operações de crédito quando estas não superarem R$ 600 mil, ou quando o montante global da dívida consolidada líquida do ente da Federação não ultrapassar 70% do limite fixado pela RSF nº 40, de 2001.
Em outras palavras: instituições financeiras privadas poderão autorizar endividamento público de bilhões, à revelia do setor público. É importante ressaltar que a dívida pública interna já ultrapassou a marca de R$ 2,5 trilhões.
O controle da dívida pública traz em sua essência peculiaridades que conferem contornos extremamente complexos à verificação dos limites, ainda mais quando não se dispõe do controle centralizado dos limites e contratação de operação de crédito, conforme exige o artigo 32, § 4º da LRF.
A norma prevista no artigo 32 da LRF é uma das medidas instituídas na tentativa de evitar o descontrole na contratação de operações de crédito e da dívida pública. A organização das finanças por parte das Unidades da Federação constitui princípio consagrado pelos artigos 34, inciso V, alínea “a” e 35, inciso I da Constituição de 1988, ao dispor sobre o princípio da não intervenção de um ente da Federação sobre outro. Nesse contexto, a preocupação do legislador complementar em criar mecanismos de gestão fiscal garantidores do equilíbrio financeiro das esferas estadual e municipal não ocorre por acaso, mas para evitar o “remédio amargo” da intervenção de um ente sobre o outro, preocupação extremamente louvável e consentânea com a ordem democrática.
A previsão de normas que visam à padronização dos controles e ao aumento da transparência da dívida pública constituem diretrizes diagnosticadas em diversas passagens da LRF, postas como fatores essenciais para o exercício do efetivo controle social.
Porém, tais dispositivos não foram colocados em prática após uma década. Inaugurado com esse propósito, o artigo 32, § 4º, da LRF prevê importante instrumento para o aumento da transparência dos financiamentos públicos, medida fundamental para o acompanhamento da dívida pública pela sociedade e pelos órgãos de controle.
Embora o dispositivo determine ao Ministério da Fazenda a manutenção de sistema eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público (na internet, inclusive) às informações referentes aos encargos e condições de contratação, assim como os saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias, o sistema ainda não foi implementado depois de dez anos de vigência da LRF, a despeito de haver determinações do TCU desde 2006, conforme Acórdão nº 1.573-Plenário. O artigo 38, § 2º, do Estatuto Fiscal é outro exemplo de centralização de dívida pública com a tentativa de evitar o descontrole dos gastos e aumentar a transparência de operações que também estão na raiz do problema da dívida pública. O dispositivo regulamenta a contratação de operações de crédito por antecipação de receita (ARO), que se destinam a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro, determinando que tais operações devem ser realizadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo competitivo eletrônico promovido de forma centralizada pelo Banco Central.
Nesse sentido, a transferência para instituições financeiras privadas da função pública de verificar e, sobretudo, autorizar os entes da Federação a contratarem operações de crédito com as próprias instituições financeiras, além de ser medida que se choca frontalmente com o disposto explicitamente no artigo 32 da LRF, fere o princípio da segregação de funções e potencializa o conflito de interesse, já que tais instituições serão beneficiárias das suas próprias autorizações.
Tal medida esvazia completamente a figura do autorizador legal – o Ministério da Fazenda -, que passará a atuar a posteriori, como um “perito em autópsia fiscal”, quando a operação irregular poderá ter sido consumada, sujeitando todos os agentes à responsabilização nas esferas civil e penal.
Além disso, diante da incapacidade das instituições financeiras privadas terem o controle da situação fiscal global de cada ente da Federação, inclusive suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, a alteração proposta aumenta, sobremaneira, o risco de fragmentação intencional – ou “fatiamento” – de grandes operações em diversos empréstimos de até R$ 600 mil, como forma de burlar os limites fiscais.
Portanto, as entidades representativas e organizações da sociedade civil signatárias deste Manifesto Coletivo vêm ao Senado Federal dizer NÃO à Proposta de Resolução nº 18, de 2010, dada a fragilidade jurídico-operacional da medida e os riscos de descontrole da dívida pública, principalmente em ano eleitoral.
Brasil, 16 de maio de 2011.