por Karla Correia, Adriana Caitano E Rosana Hessel
Insatisfação pela baixa liberação de recursos de emendas e restos a pagar faz oposição e partidos governistas se aliarem para atrasar a votação das diretrizes do Orçamento e derrubar medidas provisórias de interesse do governo
A queda de braço entre governo e oposição em torno dos chamados restos a pagar — emendas empenhadas que sobraram de exercícios anteriores — parou as votações no Congresso e levou a Casa a suspender o início do recesso parlamentar, que estava marcado para o próximo dia 17. Capitaneadas pelo DEM, as legendas oposicionistas têm obstruído as votações no plenário da Câmara e a apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) na Comissão de Orçamento. A movimentação é um protesto contra o tratamento diferenciado dispensado pelo Palácio do Planalto aos partidos da base aliada no empenho de emendas até o último dia 6 (veja tabela), quando venceu o prazo para a liberação de recursos orçamentários para emendas parlamentares, por conta do ano eleitoral.
O esvaziamento precoce do Congresso por conta do período das campanhas municipais colaborou para dar poder de fogo à “rebelião” dos oposicionistas. Ontem pela manhã, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, teve uma reunião de emergência com o presidente da Comissão de Orçamento, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), e o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), para traçar uma estratégia que garanta o quórum necessário para as votações.
Além da LDO, o Planalto se preocupa com a possibilidade de um revés em duas medidas provisórias editadas para ampliar o programa Brasil Maior — um pacote de incentivos fiscais desenhado para reforçar o setor produtivo diante da crise econômica internacional. Se a LDO for aprovada até o dia 17, as duas MPs ganham uma sobrevida até 15 de agosto. Se o recesso não começar, elas caducam no dia 1º. Caso isso ocorra, será a primeira vez, desde o início da crise financeira de 2008, que o Congresso deixaria de aprovar uma ação do Executivo para contornar a turbulência externa.
As medidas tratam, principalmente, da desoneração da folha de pagamento de 15 setores de serviços e da indústria e que deveriam entrar em vigor a partir do próximo mês. Pelo projeto, esses segmentos deixam de descontar os 20% para a Previdência e passam a ter uma alíquota sobre a receita, que varia de acordo com cada contemplado. A possibilidade de as MPs caducarem tem preocupado o ministro da Fazenda, Guido Mantega, uma vez que a desoneração da folha de pagamentos tem sido uma das principais ações do governo contra a crise que vem desacelerando a economia para que os empresários invistam e não façam demissões. “Vai depender da base, a base vai ter que rebolar para dar quórum. A oposição esticou a corda demais, principalmente com o presidente. Se nós nos mancarmos, vota tudo”, disse o vice-líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Ponto cortado
Para tentar forçar o comparecimento de parlamentares da base na próxima semana e evitar novas obstruções, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), marcou sessões para a segunda-feira à tarde e para a terça, já a partir da manhã. “As questões administrativas serão consideradas, mas na segunda e na terça-feira não serão aceitas justificativas, a não ser aquelas que são imprescindíveis.”, advertiu Maia. Os partidos de oposição pressionam para o governo liberar cerca de R$ 60 milhões em restos a pagar. Na quarta-feira, Ideli pediu um prazo de 20 dias para pagar o montante “para atender o trâmite burocrático, não dá para assinar um cheque e depositar na conta”, explicou um assessor da ministra.
Sem sucesso. O líder em exercício do DEM, Ronaldo Caiado (GO), manteve a exigência do partido pela liberação dos recursos até a próxima terça-feira. “A questão aqui é que o governo está usando o Orçamento como ferramenta de campanha eleitoral”, reclamou Caiado. “Não estamos atrás de novas promessas, mas do cumprimento de um acordo que foi feito.” De acordo com o deputado Felipe Maia (DEM-RN), o Planalto negocia desde abril a liberação de emendas para a bancada. “Isso está acontecendo depois de quatro meses de desgaste. Mandei três vezes a relação de prioridades da bancada para a Casa Civil e nada foi resolvido”, afirma o deputado, um dos principais articuladores da oposição na Comissão de Orçamento.
A manobra da oposição conta também com a ajuda de partidos “independentes”, como o PR. “O governo quebrou compromissos assumidos ao não liberar uma série de emendas”, reclamou o líder da legenda na Câmara, Lincoln Portela (MG). “O mais grave ainda é que não há sinalização de que os empenhos serão realizados”, afirmou o líder.
Colaboraram Juliana Braga e Leandro Kléber
“A base vai ter que rebolar para dar quórum. A oposição esticou a corda demais, principalmente com o presidente. Se nós nos mancarmos, vota tudo”
José Guimarães (PT-CE), vice-líder do governo na Câmara
A conta da barganha
Restos a pagar do governo de Orçamentos anteriores:
2009 — R$ 28 bilhões
2010 — R$ 40 bilhões
2011 — R$ 51 bilhões
2012 — R$ 57 bilhões
As exigências de liberação pela oposição
PSDB — R$ 48 milhões
DEM — R$ 28 milhões
PPS — R$ 4 milhões
Valor empenhado em julho do Orçamento de 2011
PMDB — R$ 28.468.608,16
PT — R$ 23.541.803,34
PP — R$ 18.418.267,07
PDT — R$ 13.870.140,58
PTB — R$ 10.493.162,55
PRB — R$ 10.244.640
PSB — R$ 8.386.350
PC do B — R$ 7.182.652,75
PSD — R$ 6.007.632,18
PR — R$ 5.098.498
PSDB — R$ 4.128.511,15
PV — R$ 3,199,110
DEM — R$ 2,672,900
PPS — R$ 0
Fonte: Assessoria de Orçamento do DEM
Memória
Histórico de chantagens
A última vez que a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) atrasou, impedindo o início do recesso parlamentar, foi em 2006, ano de campanha eleitoral nacional e nos estados. O principal motivo para a discórdia foi a tentativa do Congresso de emplacar um projeto de resolução alterando o rito de tramitação da proposta orçamentária. Sem a aprovação do projeto, o governo não conseguiu mobilizar sua base para votar a LDO, que só foi ser aprovada em dezembro daquele ano, um atraso de seis meses.
Isso porque o período de esforço concentrado, que naquele ano estava marcado para 1º a 3 de agosto e 4 a 6 de setembro, acabou funcionando como um recesso branco do Congresso, sem condições para uma votação em sessão conjunta do Congresso. Mesmo sem a LDO aprovada, o Ministério do Planejamento enviou sua proposta orçamentária ao Congresso em agosto.
Já nos últimos dias do ano, o governo ainda teve que recuar diante da oposição para garantir a normalidade no processo orçamentário, e retirar da LDO a meta de reduzir as chamadas despesas correntes em 0,1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro semestre de 2007. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva teve de lidar com atrasos na votação daLDO também em 2004 e 2005. Fernando Henrique Cardoso teve que lidar com o problema em 1995, 1998, 2000 e 2002, segundo dados fornecidos pela assessoria de imprensa da Câmara.