O combate à bagunça salarial

O Brasil não sairá do lugar se não diminuir os gastos com pessoal. A presidente Dilma Rousseff sabe disso – e enfrentou os grevistas cerrando fileiras ao lado dos contribuintes

JOSÉ FUCS

 É difícil, para quem sofre com as filas nos aeroportos, as revistas abusivas nas estradas, a retenção de cargas nos portos e a longa paralisação das aulas nas universidades, enxergar o lado positivo da atual onda de greves do funcionalismo federal. Para desespero dos servidores e de seus líderes, a paralisação está gerando um efeito colateral que lhes é claramente desfavorável. Mas poderá trazer enormes benefícios para o país nos próximos anos – o fortalecimento da percepção de que o funcionalismo consome recursos demais e entrega serviços de menos. “A ideia de que os salários são proporcionais à produtividade do trabalho é absolutamente falsa”, afirma o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Antônio Delfim Netto, interlocutor frequente da equipe econômica do governo e da presidente Dilma Rousseff. “Brasília, sem sombra de dúvida, é onde a produtividade é menor, mas tem os maiores salários do país.”

No mundo real, aquele em que vivem os brasileiros que não têm estabilidade no emprego nem se aposentam com o salário integral da ativa, parece cada vez mais madura a ideia de que alguma coisa precisa ser feita para o país deixar de ser um eterno refém do funcionalismo. Desta vez, ao contrário do que acontecia no governo Lula, que concedeu reajustes generosíssimos aos servidores, tudo leva a crer que a presidente Dilma Rousseff será uma aliada da maioria. Ela cerrou fileiras ao lado dos contribuintes, em vez de atender automaticamente às reivindicações dos grevistas, como acontecia antes. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou seu desempenho. Embora ela tenha hesitado a princípio sobre como lidar com as greves, logo tratou de mostrar que não pretendia capitular. “O que meu governo vai fazer é assegurar empregos para aquela parte da população que é mais frágil, não tem direito a estabilidade, porque esteve muitas vezes desempregada”, afirmou Dilma, no auge da tensão com os grevistas.

Apesar de a inflação nos últimos 12 meses ter ficado em torno de 5%, os servidores iniciaram a campanha salarial reivindicando um reajuste de 22%. Segundo um estudo do Dieese, a entidade ligada aos sindicatos que realiza pesquisas sobre o trabalho, as greves no setor público aumentaram 138% entre 2007 e 2011. Estimulado pelas concessões obtidas no governo Lula, o funcionalismo talvez acreditasse que ninguém iria enfrentá-los. “O funcionário público tem de ser respeitado, mas também tem de respeitar a sociedade. Quem paga a conta dos aumentos é o povo”, diz Delfim. “No Brasil, não dá para conter a expansão do gasto público sem cortar a despesa com pessoal”, afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. “É por isso que se deve ter um cuidado cirúrgico na definição dos salários e nas contratações do setor público, porque as decisões tomadas hoje terão impacto pelos próximos 40 ou 50 anos.”

No governo Lula, houve um aumento exagerado dos salários iniciais e de final de carreira de nível superior em diversas áreas do funcionalismo – e, hoje, é aí que estão as maiores distorções. Um analista do Banco Central ingressa no serviço ganhando R$ 12.961 por mês. Um auditor da Receita Federal parte de R$ 13.600. Mesmo em São Paulo, onde estão os salários mais altos do país, isso representa quase o dobro do que ganha um profissional de nível superior em começo de carreira na iniciativa privada. “Será preciso muito mais que uma faxina para pôr em ordem a administração dos recursos humanos do governo federal”, diz o economista Roberto Macedo, que vem se debruçando nos últimos tempos sobre o que chama de “bagunça salarial” do governo. “Um bom começo seria reestruturar carreiras, com salários iniciais menores, e exigir qualificações adicionais para progresso nelas.”

Seria aconselhável também o governo federal efetuar estudos para implementar a meritocracia no serviço público. Alguns Estados, como Pernambuco e Minas Gerais, têm adotado soluções criativas, com excelentes resultados preliminares. Talvez fosse conveniente também conhecer melhor os exemplos de outros países que conseguiram adotar a meritocracia entre os servidores, como Cingapura. Certamente haverá resistência e até dificuldades culturais para adotar o sistema aqui. O primeiro passo foi dado. Com o endurecimento das negociações com os grevistas, Dilma abriu o caminho para aquela que é, talvez, a mais importante reforma do país, a reforma do funcionalismo.