Clipping 18 de junho

Barbosa desiste de mensalão antes de deixar tribunal

Autora: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de S. Paulo

Após representar contra defensor de Genoino, presidente do STF reclamou em despacho que advogados de condenados passaram a ‘atuar politicamente’

Um dia após pedir ao Ministério Público que processe o advogado do ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, deixou nesta terça-feira, 17, a relatoria de todas as ações e recursos relacionados ao mensalão. A decisão antecipou um fato previsto para o fim deste mês, quando Barbosa pedirá aposentadoria e, consequentemente, já sairia do caso. Por sorteio, a execução das penas do mensalão passa agora a ser relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Como efeito prático, a mudança deve levar à reversão das revogações das autorizações de trabalhos fora da prisão para condenados do mensalão. Decisões de Barbosa cassaram os benefícios concedidos com o argumento de que os presos do regime semiaberto devem cumprir um sexto da pena antes de ter direito a deixar a prisão para trabalhar.

As defesas dos presos que recorreram pediram que o plenário do Supremo tomasse uma decisão final. Barbosa estava prestes a não remeter a decisão aos outros ministros e tomar novamente uma decisão individual de impedir o trabalho externo. Barroso, porém, deve levar os recursos ao plenário que, por sua vez, tende a liberar o trabalho.
‘Insultos’. No despacho no qual anunciou a saída da relatoria do mensalão, Barbosa reclamou que advogados de condenados passaram a “atuar politicamente” e que teriam, inclusive, partido para “insultos pessoais”. Ele citou o episódio ocorrido no plenário do STF na semana passada, quando o advogado de Genoino, Luiz Fernando Pacheco, cobrou publicamente que fosse julgado o pedido para que o ex-deputado cumpra a pena em casa. Depois de terem discutido, Barbosa determinou a seguranças que expulsassem Pacheco do plenário. O advogado acusou-o de abuso de autoridade e fez mais críticas ao ministro do lado de fora do Supremo.

Na representação encaminhada anteontem ao Ministério Público, o presidente do Supremo – que decidiu deixar a Corte precocemente, aos 59 anos, quando seria obrigado a se aposentar somente quando completasse 70 anos – pediu providências contra o advogado. Ele quer que seja aberta uma ação penal pelos supostos crimes de desacato, calúnia, difamação e injúria.

“A atitude juridicamente mais adequada neste momento é afastar-me da relatoria de todas as execuções penais oriundas da AP 470 e dos demais processos vinculados à mencionada ação penal”, justificou ontem Barbosa ao deixar o caso do mensalão.

Internamente, colegas de Barbosa no Supremo já vinham criticando o fato de o presidente ainda não ter levado a julgamento pelo plenário do STF o recurso de Genoino, que alega sofrer de doença cardíaca, e de outros réus, que querem trabalhar fora do presídio. O prognóstico é que o plenário concluirá que para ter direito ao benefício o réu não precisa cumprir um sexto da pena, como argumentou o presidente do Supremo em suas decisões.

Entre os possíveis beneficiados está o ex-ministro José Dirceu, que cumpre pena no presídio da Papuda, em Brasília. Dirceu quer trabalhar na biblioteca do escritório do advogado José Gerardo Grossi, mas não foi autorizado por Barbosa.

Advogado de carreira, Barroso é a esperança das defesas dos condenados. O ministro tem ótimo relacionamento com ex-colegas de profissão. Com Barbosa, os advogados reclamavam que não tinham diálogo. A discussão com Pacheco no plenário do STF teria sido apenas um ingrediente nessa relação complicada, segundo eles.

Além de ser o relator dos recursos que questionam as decisões contrárias ao trabalho externo e à prisão domiciliar de Genoino, Barroso será o responsável por resolver assuntos relacionados às execuções penais dos condenados, como pedidos de transferência de presídios.

 

 

 

Futuro presidente do STF busca reaproximação com juízes

Autor: Felipe Recondo
Fonte: O Estado de S.Paulo

Ricardo Lewandowski é defensor de propostas de interesse de magistrados, mas combatidas pelo governo federal

O futuro presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, vai iniciar sua gestão defendendo uma pauta corporativa combatida pelo governo federal. O ministro é um dos principais defensores da aprovação da proposta de emenda à Constituição que ressuscita o pagamento de adicionais por tempo de serviço aos magistrados.

A PEC 63, defendida pelo atual presidente da Corte, Joaquim Barbosa – que já anunciou que vai renunciar ao posto até o fim do mês, passando o cargo para Lewandowski -, prevê um aumento de até 35% sobre o salário atual dos ministros do Supremo, que poderia chegar a R$ 40 mil. O benefício se estenderia para todos os magistrados brasileiros e também para o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual.

A proposta é considerada de grande impacto fiscal para o governo, que trabalha para que ela não seja aprovada. A PEC precisa ser votada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Afinado. No Conselho Nacional de Justiça, Lewandowski terá uma agenda mais afinada com as associações de magistrados. Em vez de dar prioridade a processos disciplinares contra juízes, voltará as atenções para mudanças legislativas que acelerem a tramitação das ações judiciais. Para diminuir a resistência dos tribunais ao CNJ, buscará valorizar a magistratura de 1.º grau e trabalhará para minorar a crise nos presídios brasileiros.

Ainda caberá a ele remeter ao Congresso nova proposta de Lei Orgânica da Magistratura (Loman). A atual legislação data de 1979. O assunto é discutido há anos no STF, mas não caminhou na gestão de Barbosa. Uma comissão integrada por três ministros – Gilmar Mendes, Luiz Fux e Lewandowski – prepara uma proposta a ser remetida ao Congresso.

Apesar do apoio do ministro à PEC 63, o governo passou a apostar que Lewandowski poderá atender aos apelos da equipe econômica e contribuir para uma saída mediana no julgamento das ações que contestam a correção das cadernetas de poupança nas décadas de 1980 e 1990. Nas contas do governo, Lewandowski era voto certo contra os bancos e a favor dos poupadores. Integrantes do governo apostam que ele poderá adotar um meio-termo.

Conciliador. A atuação do ministro em julgamentos passados e suas manifestações públicas indicam uma gestão sem atritos com os demais Poderes. Em julgamentos em que estavam em jogo assuntos atinentes ao Congresso, Lewandowski sempre se mostrou reverente ao Legislativo e defendeu a contenção do Judiciário. Um exemplo foi o julgamento da liminar que impedia o Congresso de apreciar o veto da presidente Dilma Rousseff à nova lei de divisão dos royalties do petróleo. Nesse julgamento, Lewandowski afirmou que “tais interesses essencialmente políticos” devem ser tratados no “seio do Legislativo”.

Agenda. Meses antes de Barbosa confirmar que vai renunciar à presidência do Supremo, Lewandowski já mantinha agenda de presidente do tribunal. Em alta com o governo após o julgamento do mensalão, ele era procurado por integrantes do Executivo, parlamentares e associações de magistrados, para tratar de assuntos pendentes no Judiciário. E se tornou personagem influente nas disputas por vagas no Supremo.
Como presidente da Corte, competirá a Lewandowski definir a pauta de julgamentos. A prioridade do ministro será dada a processos com repercussão geral. Hoje há 750 assuntos que os ministros julgaram ter repercussão geral – cuja decisão serve de parâmetro para outras.

 

 

 

Mais de 70 dias depois de denúncias, André Vargas continua com mandato

Desde a divulgação de que o parlamentar viajou à custa de doleiro, o processo se arrasta. Hoje, testemunhas não devem aparecer para depor no Conselho de Ética

Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Correio Braziliense

Espremido pela Copa do Mundo e pelas convenções partidárias, o Conselho de Ética tem reunião marcada nesta quarta-feira (18/6) para, em tese, ouvir testemunhas arroladas para depor sobre o caso do ex-petista e ainda deputado André Vargas (sem partido-PR). Em tese, porque seis dessas pessoas não confirmaram presença e outras duas — Bernardo Tosto, dono do jatinho no qual Vargas viajou bancado pelo doleiro Alberto Youssef, e o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha — avisaram que não vão. “Eu tenho um prazo para entregar meu relatório, e vou cumpri-lo”, afirmou o relator do processo, deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

O período a que se refere o parlamentar socialista é o tempo máximo em que ele tem para apresentar, no próprio Conselho de Ética, o texto pedindo ou não a cassação do mandato de André Vargas. Após renunciar ao cargo de vice-presidente da Câmara e ser pressionado pela Executiva Nacional do PT a desfiliar-se, para diminuir o desgaste na imagem da legenda, Vargas agarra-se em todos os tempos regimentais a que tem direito para esticar ao máximo o processo de cassação e não perder os direitos políticos. As denúncias de envolvimento com Youssef surgiram em 1º de abril.

Os petistas arrolados por Delgado — o presidente nacional do PT, Rui Falcão; e os deputados Cândido Vaccarezza (SP) e Vicentinho (SP), líder do partido na Casa — não responderam se estarão em Brasília para a audiência. Tampouco confirmaram presença os donos do laboratório Labogen, Leonardo Meirelles e Esdra Ferreira. O estabelecimento, que tentou fechar um contrato com o Ministério da Saúde, é considerado pela Polícia Federal uma entidade de fachada criada para lavar o dinheiro movimentado pela quadrilha do doleiro. Youssef, preso no Paraná, seria a oitava testemunha convidada por Delgado.

A pessoas próximas, o deputado Cândido Vaccarezza tem dito que não faz questão de comparecer ao Conselho de Ética. Considerado um fiel escudeiro de Vargas desde as primeiras denúncias contra o ex-companheiro de legenda, Vaccarezza também tem o nome citado em gravações feitas pela Polícia Federal. Ele admite ser amigo de Vargas, que pode até “ter tomado café com Youssef”, mas afirma que jamais teve qualquer relacionamento com o doleiro preso pela Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal.

 

 

 

Governistas utilizam CPIs da Petrobrás para tentar constranger ministro do TCU

Autor: Ricardo Brito
Fonte: O Estado de S. Paulo

Base tenta ouvir José Jorge, relator do caso Pasadena no Tribunal de Contas da União, pelo fato de ele ser réu em ação que aponta prejuízo em negócio da estatal no governo FHC; na época, ex-pefelista presidia o Conselho de Administração da empresa

Parlamentares da base aliada decidiram colocar no foco das CPIs da Petrobrás em funcionamento no Congresso – a mista e a do Senado – o ministro do Tribunal de Contas da União José Jorge. Ex-titular de Minas e Energia do governo Fernando Henrique Cardoso e expoente do antigo PFL – posteriormente rebatizado de DEM -, Jorge é réu numa ação de 2001 que aponta um prejuízo de US$ de 2,3 bilhões da estatal após operação de troca de ativos com a empresa ibero-argentina Repsol YPF.

Ao explorar o caso de troca de ativos, os governistas esperam constranger o ministro do TCU, que atualmente é responsável por relatar, no tribunal, as suspeitas que pesam sobre a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, aprovada em 2006, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, com o aval da então ministra-chefe da Casa Civil e presidente da República, Dilma Rousseff. A Petrobrás admite prejuízo de pelo menos US$ 530 milhões no negócio.

O primeiro lance da articulação da base aliada ocorreu no dia 27 de maio, quando os parlamentares governistas, em uma sessão esvaziada, aprovaram um requerimento na CPI do Senado para que o Superior Tribunal de Justiça enviasse a cópia de todos os processos que tramitam na corte referentes à troca de ativos entre a Petrobrás e a companhia ibero-argentina Repsol YPF.

No dia 3 de junho, a comissão recebeu cópia de nove processos que citam empresas e envolvidos na operação. No principal deles, Jorge, outras 18 pessoas e quatro empresas, inclusive as companhias petrolíferas brasileira e ibero-argentina, aparecem como réus em uma ação popular, movida por petroleiros. Todos são acusados de ter causado prejuízos com a operação.

Na época, em 2001, além de ministro de Minas e Energia de FHC, Jorge era presidente do Conselho de Administração da estatal, que aprovou a troca de ativos entre as empresas.

Os governistas querem explorar o fato de Jorge ter estado em 2001, ano da troca de ativos coma Repsol, no mesmo cargo de comando do Conselho de Administração ocupado por Dilma no ano da compra de Pasadena.

Em maio de 2005, Jorge e os demais réus foram absolvidos em primeira instância no caso da Repsol. Contudo, os autores da ação recorreram da sentença e o caso foi parar no STJ.

Os governistas, que controlam totalmente a CPI no Senado e têm maioria menos folgada na CPI mista – que inclui deputados e senadores -, falam em levar o ministro do TCU para depor no Congresso. Os aliados chegaram a aprovar um convite na CPI do Senado para que ele falasse sobre Pasadena. Aproveitariam também para perguntar sobre a operação de troca de ativos. Mas Jorge declinou do convite, por não ser obrigado a comparecer.

A estratégia dos aliados, que conta com o apoio do Planalto, é usar as investigações contra denúncias de irregularidades na Petrobrás do governo FHC para contrapor aos casos que envolvem os governos Lula e Dilma. Em números, os governistas dizem que o rombo na gestão do tucano teria sido maior do que na dos petistas. Além da suspeita de, pelo menos, US$ 2,3 bilhões na operação de troca de ativos com a Repsol, o afundamento da plataforma P-36 em 2011 teria causado um prejuízo de cerca de US$ 2,2 bilhões.

Por outro lado, o rombo de Pasadena já contabilizado é de US$ 530 milhões e outros US$ 2,5 bilhões em valores contestados pelo TCU na obra da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco.

Os governistas colocaram a presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, na disputa. Em respostas a deputados do PT em depoimento na CPI mista, na semana passada, ela reconheceu que a compra da refinaria de Bahia Blanca, um dos ativos envolvidos na troca com a Repsol, “definitivamente” não foi um bom negócio. Ela havia usado expressão semelhante ao comentar a compra da refinaria de Pasadena, em abril, durante uma audiência de uma comissão temática do Senado.

Brecha. A oposição poderá contestar na Justiça a estratégia governista, já que os requerimentos de criação das CPIs limitam as investigações de 2005 a 2014. O relator da CPI do Senado e um dos integrantes da CPI mista, José Pimentel (PT-CE), afirmou que as comissões podem, sim, investigar a troca de ativos. Segundo ele, o fato tem conexão com os eixos de apuração das CPIs. Pimentel, que é líder do governo Dilma no Congresso, negou que a intenção de investigar a troca de ativos seja uma vingança contra Jorge. Para ele, o Congresso não pode fazer “vistas grossas” em relação ao caso.

 

 

 

MP denuncia Odebrecht por trabalho escravo e tráfico internacional de pessoas

O Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou o grupo empresarial Odebrecht por, segundo o órgão, manter 500 trabalhadores brasileiros em condições análogas à escravidão na construção de uma usina em Angola

Fonte: BBC Brasil

De acordo com a ação, iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar denúncias de maus tratos na obra, a construtora teria praticado ainda tráfico de pessoas no transporte de operários até a usina Biocom, na província de Malanje.

A denúncia, entregue na sexta-feira à Justiça do Trabalho de Araraquara (SP) pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, pede que a Odebrecht pague uma indenização de R$ 500 milhões por danos coletivos aos trabalhadores. O procurador notificou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal para que dirigentes da empresa e de suas subcontratadas respondam criminalmente.

A Odebrecht disse à BBC Brasil que só pronunciaria sobre o caso após ser notificada judicialmente. Normalmente, a notificação judicial ocorre alguns dias úteis após o Ministério Público protocolar a ação. Mas, com as interrupções de serviços públicos ocorridas por conta dos jogos da Copa do Mundo, esse prazo pode vir a ser ampliado.
Três empresas do grupo Odebrecht são rés na ação, que tem 178 páginas e envolveu extensa investigação: a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Olex Importação e Exportação e a Odebrecht Agroindustrial (antiga ETH Bioenergia).

Passaportes retidos
Em dezembro de 2013, a BBC Brasil publicou uma reportagem em que operários diziam ter sido submetidos a maus tratos na construção da usina Biocom, entre 2011 e 2012. Dezenas de fotos e vídeos cedidos à reportagem mostravam o que seriam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório usados pelos trabalhadores.

Os trabalhadores afirmaram ainda que funcionários que trabalhavam na segurança da empresa impediam que eles deixassem o alojamento e que tinham seus passaportes retidos por superiores após o desembarque em Angola. De acordo com os operários, muitos adoeciam – alguns gravemente – em consequência das más condições, e pediam para voltar ao Brasil. Alguns dizem ter esperado semanas até conseguir embarcar.

Segundo a ação do Ministério Público do Trabalho, braço do Ministério Público da União, “os trabalhadores, centenas deles, foram submetidos a condições degradantes de trabalho, incompatíveis com a dignidade humana, e tiveram sua liberdade cerceada, sendo podados em seu direito de ir e vir”.

Os funcionários, diz a denúncia, “foram tratados como escravos modernos, com o agravante de tal violência ter sido cometida enquanto se encontravam isolados em país estrangeiro distante, sem qualquer capacidade de resistência”.

Após voltar ao Brasil, dezenas de operários entraram na Justiça contra a Odebrecht e suas subcontratadas na obra. A Justiça tem reconhecido que eles foram submetidos a condições degradantes e ordenado que sejam indenizados.

O MPT diz que, embora os trabalhadores não fossem empregados da Odebrecht, mas de empresas subcontratadas pela construtora – entre as quais a Planusi, a W Líder e a Pirâmide –, a responsabilidade pelas condições na obra era inteiramente da Odebrecht, conforme definido nos contratos entre as companhias.

Tráfico de pessoas
A denúncia lista uma série de ilegalidades que, segundo o MPT, teriam sido cometidas pela Odebrecht no envio dos trabalhadores a Angola. De acordo com o órgão, as empresas subordinadas à companhia recorreram a agenciadores ilegais (“gatos”) para recrutar operários em diferentes regiões do país, especialmente no Nordeste. A prática, diz a denúncia, constitui crime de aliciamento.

Após o recrutamento, segundo a denúncia, ocorria outra irregularidade: em vez de solicitar à embaixada de Angola vistos de trabalho aos operários, a Odebrecht pedia vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar.

Para obter os vistos, segundo o MPT, a Odebrecht “desavergonhadamente mentiu à embaixada de Angola”, dizendo que os operários viajariam ao país para “tratar de negócios” e permaneceriam ali menos de 30 dias (limite de estadia do visto ordinário). No entanto, diz a Procuradoria, as passagens aéreas compradas pela Odebrecht previam a volta dos trabalhadores em prazos bem superiores a 30 dias.

Segundo o MPT, a empresa recorreu ao esquema para “contar com trabalhadores precários e inteiramente submetidos a seu jugo, incapazes de reagir ou de reclamar das condições suportadas, impossibilitados de procurar outro emprego, e que sequer pudessem sair do canteiro de obras”.

A prática, segundo o MPT, sujeitou os trabalhadores a graves riscos em Angola, inclusive o de prisão, e violou tratados internacionais contra o tráfico humano.

Ratificado pelo Brasil em 2004, o Protocolo de Palermo engloba, entre as definições para a atividade de tráfico, o recrutamento e transporte de pessoas mediante fraude ou engano para fins de exploração em “práticas similares à escravatura”.

Dinheiro público
Segundo a investigação do MPT, contratos celebrados entre a Odebrecht e suas subordinadas na obra mencionam que haveria empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) à construção. O BNDES, porém, disse à BBC Brasil que jamais financiou a obra.

Em junho de 2012, o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior decretou sigilo sobre todas as operações de crédito do BNDES a Angola e Cuba.

Entre 2006 e 2012, quando os dados ainda eram públicos, o BNDES destinou US$ 3,2 bilhões (R$ 7,2 bilhões) a obras de empresas brasileiras em Angola. A Odebrecht, maior construtora brasileira e maior empregadora privada de Angola, onde opera desde 1984, abocanhou a metade desses financiamentos.

‘Círculo íntimo’
Primeira indústria de açúcar, eletricidade e etanol de Angola, a Biocom é uma sociedade entre a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a empresa Cochan. Segundo o jornal português Público, o dono da Cochan é o general angolano Leopoldino Fragoso do Nascimento, um dos homens mais próximos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.

A usina, que custou cerca de R$ 1 bilhão, deve ser inaugurada até o fim deste ano.

Embora a Biocom tenha sócios angolanos, o MPT diz que, desde 2012, a Odebrecht tornou-se sócia majoritária da usina e “passou a administrá-la como dona”. Segundo o órgão, ao se associar à Cochan, a Odebrecht buscou contemplar o “círculo íntimo” do presidente angolano no empreendimento e mascarar que a usina, anunciada à população local como angolana, é na verdade brasileira.

Como punição pelos atos, a Procuradoria pede que a Odebrecht seja multada caso mantenha práticas ilícitas, indenize os trabalhadores afetados em R$ 500 milhões e deixe de receber empréstimos de bancos públicos. A ação pede ainda que a companhia pague multa no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento anual.

Segundo o MPT, o caso requer “uma punição absolutamente exemplar”, para que a companhia não se sinta encorajada “a repetir as mesmas condutas no futuro”.