Reajuste deve sair para alguns

Pressionado por entidades sindicais que ameaçam desencadear uma série de greves dentro do funcionalismo federal, o governo dá sinais de que está disposto a ceder. O Ministério do Planejamento avisou a representantes dos servidores que admite liberar reajustes para algumas categorias que assinaram termos de acordo no ano passado. O gesto acalmou parte da Esplanada, mas não afastou o risco de uma paralisação em massa. Na quarta-feira, deverá ser anunciada a posição oficial do governo sobre quais carreiras terão ou não ganhos no contracheque em 2008.

Ainda que sem os R$ 40 bilhões garantidos pela cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) — extinta no início de janeiro —, Sérgio Belsito, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), disse que a União só não cumpre o que prometeu aos trabalhadores se não quiser. “Temos a convicção de que o problema não é orçamentário”, completou. Segundo ele, os funcionários estão apreensivos.

Na semana passada, a cúpula do Sinal esteve na Secretaria de Recursos Humanos (SRH) e ouviu dos técnicos do Planejamento que há a intenção política de autorizar o reajuste acordado em 2007. O mesmo recado foi transmitido a outras carreiras, como foi o caso dos auditores fiscais da Receita Federal — categoria que cogita parar a partir de março. Outros segmentos também rechaçam a idéia de que não existem recursos suficientes em caixa para conceder aumentos e descartam esperar para receber o que lhes é devido.

Como a folga de recursos da União é quase zero, a área econômica seria obrigada a remanejar grandes volumes de dinheiro para atender aos pleitos dos funcionários do BC e das chamadas carreiras que integram o ciclo de gestão do Estado. Nesse grupo estão advogados públicos, em greve desde o dia 17, e os auditores da Receita Federal, que se organizam para discutir uma possível paralisação. De acordo com exercícios preliminares apresentados pelo governo aos sindicatos, o custo dos reajustes para essas e outras carreiras ficaria em torno de R$ 6 bilhões.

A correção das tabelas, porém, só começaria a valer a partir do segundo semestre. Justamente esse prazo tem desagradado os servidores, que desde novembro de 2007 aguardam mudanças nos salários. Os funcionários do BC, por exemplo, estão em negociação salarial desde 2005. A categoria reivindica, entre outros, a equiparação salarial com a Receita Federal. Pelo acordo firmado com o Ministério do Planejamento, a primeira parcela de aumento deveria ter sido paga em dezembro. Amanhã, os servidores do Banco Central farão assembléia para discutir a possibilidade de entrar em greve.

Tensão
Uma prova de que as relações entre governo e servidores enfrentam dificuldades pôde ser comprovada no último sábado. O ministro da Educação, Fernando Haddad, abandonou o 30º Congresso Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, depois de ser recebido sob vaias. Haddad se preparava para discursar quando papéis e pequenos objetos começaram a ser atirados em sua direção. O ato, criticado por autoridades e representantes do Congresso, teria sido organizado por integrantes do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). A CNTE discutiu políticas educacionais e questões relacionadas à remuneração dos educadores.

Nos próximos dias, a Justiça Federal deverá se pronunciar sobre um tema espinhoso envolvendo governo e servidores. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um pedido de liminar para declarar ilegal a greve dos advogados públicos — procuradores federais, advogados da União e defensores. A categoria, por sua vez, está disposta a intensificar a greve porque, assim como tantas outras, assinou acordo com o Ministério do Planejamento e esperava receber a primeira parte de um aumento dividido em três parcelas ainda este ano. Por ordem da AGU, haverá corte de ponto dos grevistas.


Dificuldade para organizar paralisações
Apesar do discurso inflamado, os sindicatos sabem das dificuldades de organizar greves depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu impor aos servidores as mesmas regras e punições aplicadas aos empregados da iniciativa privada. Soma-se a esse obstáculo o fato de grande parte do efetivo que vai às ruas estar de férias. Por causa disso, pelo menos nos bastidores, as lideranças sindicais resolveram adotar a cautela como arma de negociação.

Em uma decisão histórica, o STF reconheceu em outubro de 2007 o direito de greve na administração pública em todos os níveis — federal, estadual e municipal —, mas impôs limites às paralisações. A mais alta Corte do país determinou que, enquanto o Congresso Nacional não aprovar uma legislação específica, ficam valendo para o setor público as mesmas orientações seguidas nas empresas, conforme a Lei nº 7.783/89. Com isso, os ministros do STF colocaram um freio nas greves do funcionalismo.

O direito de greve está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. Na Câmara dos Deputados, há um projeto aguardando por votação desde 2001 de autoria da deputada Rita Camata (PMDB-ES). A Lei nº 7.783/89 orienta que sindicatos e patrões devem sempre buscar o acordo e estabelece direitos e deveres para cada uma das partes. No caso de greve, o texto estipula obrigatoriedades como, por exemplo, a comunicação com 48 horas de antecedência — 72 horas para serviços essenciais. Trata ainda do mínimo da força de trabalho a ser mantida em atividade e do corte de ponto dos faltosos.

De braços cruzados há quase uma semana, os advogados públicos enfrentam problemas para conseguir mais adesões ao protesto. A partir de hoje, na tentativa de fortalecer o movimento, o corpo-a-corpo será feito nas repartições de Brasília e dos estados onde a paralisação é mais forte, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A paralisação, que é por tempo indeterminado, pode atrapalhar o andamento de processos que envolvem a União e cidadãos que dependem, por exemplo, dos serviços da Defensoria Pública.

Já para as categorias que ainda avaliam parar, o maior impedimento é conseguir quorum nas assembléias. Até os sindicalistas mais engajados reconhecem os riscos de deflagrar greves — a partir de Brasília — antes do carnaval.