A greve no setor público precisa ser regulamentada

     Passados quase 22 anos da promulgação da Constituição, o Poder Legislativo continua sem disciplinar em lei o direito de greve no serviço público. Todos os governos de lá para cá também preferiam escapar desse espinhoso tema, cuja referência está no artigo 37 inciso VII da Carta: “O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

 


     Na gestão do presidente Luis Inácio Lula da Silva, pelo menos três anteprojetos foram elaborados – um no Ministério do Planejamento, outro no Ministério do Trabalho e um terceiro na Advocacia Geral da União (AGU) – mas nenhum chegou ao Congresso. O da AGU, concluído pelo então advogado José Antônio Dias Toffoli, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal STF, foi o que andou mais longe, mas parou na Casa Civil. No Congresso outros tantos seguem letárgica tramitação.

 

     Na ausência de qualquer referência legal, em 2007 o STF resolveu impor ao funcionalismo público civil as mesmas regras em vigor para os trabalhadores da iniciativa privada. “Todo e qualquer servidor pode fazer paralisação, mas dentro de limites que não comprometam o interesse social”, comentou o ministro Eros Grau, na ocasião.

 

     Um dos aspectos importantes da lei que rege o setor privado é o de que os órgãos responsáveis por serviços essenciais à população têm a obrigação de garantir pelo menos 30% da prestação da atividade. Desta categoria constam do do controle de tráfego aéreo à compensação bancária e assistência médico-hospitalar, dentre várias outras.

 

     Outra importante decisão do Supremo foi estabelecer as instâncias da justiça responsáveis pelo julgamento das greves dos funcionalismo. Assim, a dos servidores federais está à cargo do Superior Tribunal de Justiça (STJ); os tribunais regionais se encarregam de julgar as greves dos funcionários regionais; e os tribunais de justiça, dos estaduais. Esse foi um passo fundamental para acabar com a pulverização das ações movidas pelos sindicatos por todo o território nacional.

 

     Agora, houve mais um avanço na delimitação do direito de greve. Com a paralisação dos servidores do Ibama, no início de abril, a AGU entrou com ação no STJ contra a paralisação. O tribunal não julgou a greve ilegal, mas determinou o imediato retorno dos funcionários que considerou de serviços essenciais, como os das áreas de licenciamento ambiental e fiscalização.

 

     Diante dessa decisão, a AGU pediu ao Planejamento que prepare uma lista com o que são e quais as características dos serviços essenciais na administração pública. O Ministério está concluindo esse trabalho, que é mais amplo do que parece. Para exigir que o fiscal do Ibama trabalhe durante uma greve do setor, terá, por exemplo, que manter no serviço o motorista que conduz o fiscal. Outra consequência desse trabalho será a proibição de greve nas categorias armadas.

 

     Há, no mundo, uma diversidade de parâmetros legais que regulam o direito de greve no setor público. Em países como Israel e Reino Unido, a legislação não traz qualquer disposição sobre legalidade ou ilegalidade dos movimentos grevistas de servidores. Outros proíbem totalmente greve de funcionários públicos, como Estados Unidos, Austrália, Chile, Japão e Suíça.

 

     No caso brasileiro, a Constituição garantiu a greve como instrumento de mobilização dos funcionários em torno de suas reivindicações, mas a ausência de uma legislação que discipline as paralisações acaba permitindo situações abusivas, como o recebimento integral dos salários mesmo com os braços cruzados. A equiparação com o setor privado também não é adequada, sobretudo no que se refere aos serviços essenciais. Por definição, na administração pública há mais setores cujo funcionamento é essencial para a população, sem os quais seu direito lhe é sonegado, seja no atendimento hospitalar ou no acesso à atividade econômica (obtenção de licença ambiental, por exemplo).

 

     O tema é controvertido e muitas são as visões doutrinárias. A experiência brasileira no vácuo desses 22 anos mostra, contudo, que falta um ordenamento jurídico que regulamente o direito de greve, assim como faltam, também, os fundamentos de uma política salarial que reduza o grau de arbitrariedade do governante do momento. A lei de greve pode surgir da jurisprudência recente; e a proposta de política de reajustes salariais que tramita no Congresso é melhor do que nada.