TCU apontou irregularidades em contratos para obras

O Globo – 11/07/2011

Relatórios de órgãos federais apontam irregularidades entre prefeituras e empresas


     Relatórios elaborados por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) desde janeiro, quando ocorreu a tragédia provocada pelas chuvas, encontraram indícios de irregularidades em contratos sem licitação assinados pelas prefeituras e pelo governo do estado com empresas chamadas para socorrer cidades da Região Serrana. Os técnicos identificaram falhas principalmente no preenchimento das planilhas onde estão discriminadas as obras. O documento é usado como base para o cálculo do serviço executado e o pagamento, posteriormente.

     Em relação a Teresópolis, os técnicos do TCU escreveram, em março: “Analisando as planilhas, percebe-se que as medições não se encontram atestadas pelos fiscais dos respectivos contratos e, tampouco, estão acompanhadas dos diários e laudos de vistorias”. Em outro trecho, chamam a atenção para um ato de reconhecimento de dívida assinado pela prefeitura com a empresa Contern Construção e Comércio Ltda: “No nosso entender, esse procedimento está eivado de ilegalidade”.

     Nas primeiras respostas ao TCU, a prefeitura de Teresópolis disse que havia firmado contrato apenas com as empresas RW de Teresópolis Construtora e Consultoria Ltda (no valor de R$1,5 milhão) e com a Vital Engenharia Ambiental S/A (R$3,5 milhões) para atuarem na limpeza da cidade. As duas empresas são as mesmas que um empresário afirmou, como revelou o GLOBO na edição de ontem, terem sido supostamente beneficiadas por um esquema de pagamento de propina montado na prefeitura local. Os técnicos do TCU estranharam quando os administradores do município informaram que deviam cerca de R$3,5 milhões também à Contern e que o serviço executado pela empresa aconteceu no mesmo dia e nos mesmos locais onde a Vital Engenharia atuava.

     Em Nova Friburgo, o TCU observou que os contratos só foram enviados em março e, mesmo assim, incompletos, sem fiscalização e laudos de vistoria. Também chamou a atenção dos técnicos o contrato assinado com a Vital Engenharia Ambiental – que atendia ao município de Teresópolis – no valor de R$4,3 milhões, em 19 de janeiro, “sem cobertura contratual”. O técnico aponta outras falhas na elaboração de contratos. Como exemplo de impropriedade, o TCU cita o procedimento de contratação da empresa Terrapleno Terraplenagem e Construção Ltda – outra citada em depoimento de um empresário como beneficiária de um esquema de propina montado em Teresópolis.

     Ainda sobre Friburgo, segundo relatório do TCU, a prefeitura informara ter firmado contrato com a Terrapleno em 24 de fevereiro, acrescentando que a prestação do serviço começara 43 dias antes, em 19 de janeiro. O problema é que o próprio município informara ao Tribunal de Contas ter convocado três empresas, entre elas, a Terrapleno, para uma pesquisa de preço, em 27 de janeiro. Portanto, três dias após ter assinado o contrato com a empresa. Para o TCU, “não há como afastar a intempestividade da avença e nem as incongruências das informações passadas pela prefeitura”.

     Recursos federais foram repassados pelo Ministério de Integração Nacional para contas do governo do estado e de sete municípios da Serra atingidos pelas chuvas de janeiro. A verba foi repartida assim: R$70 milhões para o estado e os outros R$30 para Friburgo (R$10 milhões), Teresópolis e Petrópolis (com R$7 milhões cada uma) e o restante dividido em cotas de R$1,5 milhão para Sumidouro, Areal, Bom Jardim e Vale do Rio Preto. Nenhuma prefeitura ou o estado prestaram contas satisfatórias, apesar dos pedidos do Ministério Público Federal, TCU e da AGU.

Crises políticas em dois municípios
     Friburgo e Teresópolis convivem com graves crises política e administrativa. O prefeito da primeira cidade, Heródoto de Mello, de 83 anos, está afastado do cargo desde o ano passado, com problemas de saúde. Em seu lugar assumiu o vice, Dermeval Barboza Moreira Neto (PMDB), que trocou secretários e passou a travar uma briga política com antigos aliados. Em Teresópolis, o governo Jorge Mário Sedlacek (PT) enfrenta não apenas denúncias de corrupção. O diretório do partido pede sua saída e quatro dos 15 secretários pediram exoneração.

     Em 15 de março, a população foi à rua, organizada em movimentos sociais, para protestar contra a gestão municipal em Teresópolis. A Câmara dos Vereadores chegou a ser apedrejada. No dia 23 de março, uma CPI foi instalada no município para investigar contratos firmados durante a enxurrada. Alguns contratos chegaram a ser suspensos por uma liminar, derrubada no dia seguinte. Entre as vítimas da enxurrada em Teresópolis está o motorista José Luiz dos Santos, que perdeu parentes. Ele reclama que o trabalho da prefeitura na recuperação do bairro onde mora está lento.
Propina de 10% para 50%

     Como noticiou ontem o GLOBO, um empresário, beneficiado pela delação premiada, revelou ao Ministério Público federal, que, na semana da tragédia que matou mais de 900 pessoas na Serra, um acerto entre empreiteiras e autoridades de Teresópolis elevou a taxa da propina para a aprovação de contratos de serviços: passou de 10% para 50%.

     Denúncias sobre irregularidades e suspeitas de corrupção também atingiram Nova Friburgo, município que mais sofreu com o temporal, tendo recebido R$10 milhões – a maior fatia das verbas federais enviadas aos municípios. Até agora, o MP federal já instaurou na cidade mais de dez inquéritos civis públicos e promete outros, cobrando explicações da prefeitura.

     O caso mais grave aponta para funcionários da Fundação Municipal de Saúde, que autorizaram, em meio à tragédia, o pagamento, sem licitação, de mais de R$900 mil a uma empresa do Rio, a Spectru Instrumental Científico Ltda. O contrato previa que a empresa faria a manutenção e a conservação de equipamentos da rede municipal de saúde, atingidos pela enxurrada.

     Em Teresópolis, as investigações começaram com o relato do empresário ao MP federal. Ele recorreu à delação premiada (quando o criminoso faz acordo com a Justiça e ajuda nas investigações) para revelar um suposto esquema de corrupção entre a prefeitura e empresas que atuaram em pelo menos quatro municípios da Serra. Segundo ele, na semana das chuvas, empresários e secretários municipais se reuniram na prefeitura, administrada pelo PT, para dividir contratos sem licitação e os recursos federais. Um total R$100 milhões foi enviado ao estado pela União.

Suspeita motivou ação
Empresa não teria equipamentos próprios

     Uma ação popular, movida em janeiro pelo deputado estadual Nilton Salomão (PT) e pelo vereador de Teresópolis Claudio Mello (PT), tentou barrar a contratação das empresas RW de Teresópolis Construtora e Consultoria LTDA e Vital Engenharia Ambiental para prestar serviços de desobstrução de vias de Teresópolis. Em relação à RW, os parlamentares questionaram se ela, uma micro-empresa impossibilitada de ter um faturamento anual superior à R$240 mil, teria estrutura para gerir o serviço orçado em R$1,5 milhão. Segundo os dois, a sede da RW funciona num imóvel residencial. Para Salomão, a RW não tem caminhões ou máquinas próprios para desobstruir vias. Sobre a Vital, a ação afirma que sua contratação fere o princípio da moralidade administrativa, pois a tentativa do prefeito Jorge Mário de contratá-la em outra ocasião havia sido vetada pela Justiça. O valor do contrato com a Vital era de R$3,5 milhões. Após aceita em primeira instância, a ação foi derrubada por uma liminar e os contratos foram mantidos.