Contra a corrupção, lanchinhos e viagens

Correio Braziliense – 31/07/2011

 
Dinheiro do programa de combate a práticas nocivas ao erário se perde no labirinto burocrático dos órgãos federais e é usado em atividades bem diferentes da finalidade original, como o pagamento de contas de água e a limpeza de ministérios
 
 
     O governo federal tem um programa chamado de Controle Interno, Prevenção e Combate à Corrupção, de responsabilidade da Controladoria-Geral da União (CGU). A maioria do dinheiro é aplicada pela própria CGU, mas parte é repassada aos ministérios do Esporte, da Fazenda e da Educação. O investimento deste ano — pouco mais de R$ 23 milhões — tem algo em comum em todos esses órgãos: prevalecem gastos com a manutenção da máquina administrativa, como contas de água, luz, auxílio-moradia, diárias, manutenção de carros oficiais e até fornecimento de lanchinhos oferecidos em pausas de seminários em vez da aplicação na luta contra os desfalques ao erário.
 
     De acordo com consulta ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) sobre os gastos da controladoria, com dados até 23 de julho, do total que já saiu dos cofres públicos, pouco mais de R$ 14 milhões se referia a despesas de custeio. A rubrica apoio administrativo, que reúne diversos tipos de gastos, como itens de escritório, por exemplo, apresenta um total de R$ 2,5 milhões. Investimentos em tecnologia da informação, como a aquisição de software e equipamentos de informática, somaram R$ 2,4 milhões. Logo em seguida, aparecem diárias e passagens aéreas de servidores, que chegam a R$ 1,8 milhão, dos quais 99% referem-se a diárias pagas a funcionários. No ranking de maiores dispêndios, aparecem ainda serviços de editoração e gráfica, com R$ 1,3 milhão. O auxílio-moradia de servidores do alto escalão do órgão, também quitado com recursos de combate à corrupção, somaram, neste ano, R$ 1,1 milhão.
 
Manutenção
     Até despesas com limpeza, manutenção hidráulica e elétrica de edifícios estão saindo do programa de Controle Interno, Prevenção e Combate à Corrupção, de acordo com a consulta ao Siafi. Um dos maiores gastos este ano é com o pagamento de uma parcela do serviço de reforma e adaptação da nova sede da CGU no Pará, no valor de R$ 112,2 mil. Há até o repasse de uma parcela única de R$ 1,089 milhão a uma editora contratada por meio do pregão eletrônico número 17/2010.
 
     O combate à corrupção do governo bancou também a taxa de inscrição de dois servidores em um programa desenvolvido pelo Institute of Brazilian Issues, da Universidade de Georgetown, em Washington, Estados Unidos, que ocorrerá entre 23 de agosto e 14 de dezembro. E inclui despesa até com serviços de copeira, totalizando R$ 56,8 mil neste ano. O programa anticorrupção ainda banca o pagamento de uma parcela da parceria firmada entre a CGU e o escritório da ONU sobre Drogas e Crime.
 
     Em outras pastas, os recursos que deveriam ser destinados à prevenção à corrução também são usados com despesas de custeio. O Ministério do Esporte, por exemplo, gastou R$ 874 mil para bancar a limpeza e a manutenção dos sistemas elétricos e hidráulicos da sede da pasta. Esse tipo de despesa não se restringe ao Esporte. O Ministério da Fazenda usou mais de R$ 6 milhões do programa para pagar custeio da máquina com serviço terceirizado de limpeza, seguro de veículos oficiais, diárias e até a troca de óleo de automóveis da pasta.
 
     Verbas do programa de combate à corrupção também são repassadas aos ministérios da Educação e da Saúde, mas essas pastas não tiveram execução orçamentária com essa rubrica em 2011.


Gastos são normais, alega CGU

 
     A Controladoria-Geral da União (CGU) informou que não há nenhum desvirtuamento do programa e os recursos estão sendo aplicados de forma correta, conforme orientações do Ministério do Planejamento. O órgão disse ainda que as despesas administrativas mantêm toda a CGU, incluindo a sede em Brasília e as 26 unidades regionais. “É preciso ter bem claro que, no caso da CGU, sua atividade implica muito mais despesas de custeio do que de investimento. O orçamento de investimento da CGU corresponde a 10,44% do limite autorizado para 2011, atingindo o montante de R$ 8,080 milhões”, consta na resposta encaminhada ao Correio.
 
     Segundo a CGU, as despesas citadas na reportagem foram feitas para atender as unidades, provendo infraestrutura suficiente e adequada para o desempenho da função. E citou como dado que o gasto com combustível em 2011, até 28 de julho, foi de R$ 70.372,45. “O que corresponde a 0,09% do limite orçamentário da CGU. Esse gasto com combustível, apesar de ser de natureza administrativa, está diretamente ligado às atividades finalísticas do órgão, considerando que nossas ações de fiscalizações e auditorias são realizadas in loco, necessitando, portanto, do deslocamento constante dos nossos auditores e corregedores”, justificou o órgão.
 
     A CGU informou ainda que a execução orçamentária do órgão mostra que a controladoria está economizando recursos e obtendo maiores resultados. Disse ainda que tem cumprido seu papel no combate à corrupção por meio de auditorias, fiscalização de municípios, operações conjuntas com a Polícia Federal e investigações em parceria com o Ministério Público. Citou também medidas de transparência pública, como a análise de repasse de recursos de programas do governo para municípios, o que “evitou a perda de alguns bilhões de reais”. “Em resumo, a CGU entende que vem fazendo a sua parte. Isso é suficiente? Claro que não. Por um lado, porque a corrupção é um crime e, como qualquer crime, não vai deixar de existir nunca, em nenhum país do mundo. Sempre ocorreu em todas as sociedades e vai existir sempre. O que importa é que há a disposição de combatê-la e que as instituições criadas para isso trabalham da forma mais articulada possível”, enfatizou a assessoria de imprensa do órgão.