Para grevistas, há uma campanha de \’desvalorização do funcionalismo\’

 

Por Lucas Marchesini e Daniela Martins

BRASÍLIA – Em greve há 40 dias, dirigentes sindicais de categorias de auditores fiscais ampliaram suas críticas ao governo Dilma Rousseff por alegada “desvalorização sistemática” do serviço público federal. Em manifestação realizada na tarde desta quinta-feira, em frente ao Ministério do Planejamento, os sindicalistas citaram como parte da “campanha” a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) e da Lei de Acesso à Informação, que obrigou a publicidade dos salários na internet.

“Isso enfraquece o movimento junto à população”, disse o presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon Sindical), Rudinei Marques.

A manifestação, organizada pelo Unacon, reuniu 700 servidores de 26 categorias, segundo estimativa da Polícia Militar. Em nota, a Unacon Sindical esperava mais de 2 mil participantes no protesto.

Os manifestantes que se dispuseram a falar ao Valor mostraram conhecimento superficial das demandas, afirmando que eram de aumento, mas sem precisar percentuais e demandas específicas. Os auditores fiscais pedem reajuste salarial de 33%. Além disso, reclamam da posição do governo de não negociar. A maioria dos entrevistados se esquivou das perguntas, indicando seus representantes no sindicato para serem ouvidos.

Além disso, as queixas das entidades foram direcionadas à intransigência dos governos nas negociações salariais. O presidente do Unacon Sindical disse que, caso o canal de diálogo continue fechado, “Dilma vai aguentar o que nem o Fernando Henrique Cardoso aguentou”, em referência à greve geral dos servidores públicos.

Presente ao ato, grevistas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) não têm um percentual de aumento para reivindicar. “Queremos que pelo menos o governo abra a pauta de negociação”, disse a assessoria da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF).

Lembrando a ditadura

Representantes dos grevistas compararam as medidas adotadas pelo governo Dilma Rousseff contra as paralisações à ditadura militar. Em manifestação em frente ao Ministério do Planejamento, 26 associações de funcionários públicos criticaram o Decreto nº 7.777, que permite a substituição dos funcionários parados por servidores das mesmas carreiras em Estados e municípios.

“Podemos comparar o que o governo do PT faz hoje com o que a ditadura militar fez, com o AI-5”, disse o presidente da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor), Eduardo Rodrigues, lembrando o ato, considerado como a medida mais dura do regime dos generais (1964-1985).

“O Decreto 7.777 quer solapar o direito de greve. Como é que um governo que se diz democrático baixa decreto pra substituir trabalhadores em greve?”, indagou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Pedro Delarue.

Outros representantes dos funcionários públicos afirmaram que a medida publicada na quarta-feira pelo Executivo é um sinal de “desespero” diante da paralisação de 35 órgãos públicos em 26 Estados e no Distrito Federal.

Ofensiva para evitar substituições

O presidente do Sindifisco, Pedro Delarue, disse haver uma “articulação” para evitar que servidores públicos estaduais e municipais substituam os funcionários federais durante a greve. “Nós já chamamos os fiscais estaduais. Vamos firmar compromisso por escrito. Os fiscais nos Estados vão firmar acordo dizendo: ‘não vamos fazer isso’.”

A possibilidade de acionar esses funcionários locais está expressa no Decreto nº 7.777, publicado na quarta-feira pelo governo federal.

Para evitar o corte do ponto e a eventual substituição de pessoal, algumas categorias de servidores em greves optaram por não deixar os postos de trabalho, mas iniciaram uma “operação-padrão”. Servidores como os auditores fiscais e os policiais rodoviários federais reduziram a carga de trabalho para prejudicar o andamento dos serviços em suas áreas sem ter que cruzar os braços e sofrer possíveis sanções.

Delarue disse que as negociações já começaram com os auditores fiscais no Amazonas. A intenção é, segundo ele, “impedir” o governo de usar os servidores locais nas mesmas funções dos federais. Isso “fragilizaria” o movimento grevista nacional, segundo ele.

Mesmo com o decreto, o presidente da Assecor, Eduardo Rodrigues, disse não acreditar que os grevistas poderão ser substituídos no curto prazo pelo governo. E destacou que os servidores públicos nos Estados não têm as mesmas atribuições de um funcionário federal, o que demandaria tempo para o treinamento de pessoal.