Senado paga por passagens 5 vezes mais que o cobrado em sites de empresas aéreas
Parlamentares pediram providências à direção da Casa; Voetur é responsável por adquirir bilhetes aéreos
Autor: Maria Lima
Fonte: O globo- 08/02/2014
O Senado vem pagando por passagens aéreas para senadores e servidores em viagens internacionais preços que equivalem a até cinco vezes os encontrados nos sites das próprias empresas. Irritados com os valores exorbitantes, alguns senadores já reclamaram providências da direção do Senado em discursos no plenário, e outros se negam a aceitar os bilhetes apresentados por agências contratadas pela Casa, comprando diretamente nas companhias aéreas.
Como integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, em outubro passado, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) participaria de reunião com a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro, em Miami. Segundo Pinheiro, os valores das passagens em classe executiva encaminhadas pela agência Voetur Turismo e Representações Ltda. — contratada pelo Senado em agosto de 2013 com dispensa de licitação — variaram, desde as primeiras solicitações, de R$ 14 mil a até R$ 20,8 mil.
Espantado com os valores, mesmo com a multa de uma remarcação de data, ele considerou o preço inaceitável. Pesquisou no site da companhia aérea, no mesmo dia, e comprou com seu cartão de crédito uma passagem, em classe econômica, por R$ 4.272,78.
— O setor responsável mandou ofício justificando o preço final em função da remarcação do bilhete, o que não foi aceito — explicou Pinheiro, que, a partir de então, optou por adquirir pessoalmente suas passagens, pedindo posterior ressarcimento.
Conta bancária exclusiva
Para minimizar o problema, Pinheiro obteve do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), promessa de votar logo projeto de sua autoria que cria conta bancária exclusiva, com registro próprio no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) por gabinete, para melhor administrar e separar pessoa física da pessoa política, que passaria a ter atuação jurídica.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) é outro que não se conforma com os preços cobrados e pagos pelo Senado pelas passagens aéreas, classificados por ele como “absurdos”. Ele disse que já fez pelo menos três discursos cobrando providências. Lembra de uma viagem oficial que fez para o México, por uma agência que antecedeu a Voetur:
— A passagem que o Senado me forneceu, na classe executiva, custava R$ 17 mil. Minha mulher comprou no site da empresa, na última hora, para ir sentada ao meu lado, e pagou cerca de R$ 4 mil. Isso aqui é uma farra!
Em outubro de 2013, o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) também teve um contratempo com a Voetur, em viagem para visitar obras da Copa em Natal, com o roteiro Brasília-Natal-Aracaju. Como teve de remarcar o trecho Natal-Aracaju, o bilhete original emitido pela Voetur foi de R$ 1.167,43 para R$ 3.240.56:
— A agência respondeu que não ia baixar o preço! Paguei do meu bolso o mais barato, pedi ressarcimento, e depois mandei ofício ao Renan reclamando.
Agência recebeu R$ 1,5 milhão por contrato sem licitação
Escolhida em agosto de 2013 em um processo de contratação emergencial, sem licitação, por 180 dias, a Voetur Turismo e Representações recebeu do Senado R$ 1.575.137. Pelo contrato, deveria fornecer mil passagens nacionais, 130 passagens internacionais e 130 seguros. O departamento jurídico da agência informou que ela foi selecionada por apresentar o menor preço, R$ 19,95, a título de taxa de agenciamento de viagem, sendo esta a sua única e exclusiva remuneração. O contrato, que se encerra no próximo dia 14 de fevereiro, não será renovado, porque há uma licitação em curso.
Segundo a assessoria da agência, a Voetur nunca apresenta o maior preço, já que o contrato exige cotação simultânea de três companhias aéreas para o trecho consultado, indicando a de menor preço. E seria assim que a agência procederia. Mas diz que tais valores podem sofrer alterações, com aumentos ou reduções significativos, a depender do momento da contratação. Diz ainda que os valores são fiscalizados e aprovados pela Coordenação de Apoio Parlamentar (Coapar) do Senado.
Empresa contesta senador
A direção da Voetur contestou as informações prestadas pelo senador Antonio Carlos Valadares, que constam de ofício encaminhado ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Em nota, a assessoria jurídica da empresa diz que “não é verdadeira a informação de que a Voetur se recusou a emitir o referido bilhete”.
“No que tange ao senador Antonio Carlos Valadares, cumpre esclarecer que de fato havia sido emitido um bilhete no valor de R$ 1.100. Porém, o senador, na última hora, decidiu alterar o horário do voo e, para o horário que ele desejava, já não havia nenhuma tarifa no valor de R$ 1.100. E tal fato foi comprovado através do print da tela da companhia aérea encaminhada ao gabinete. Ocorre que o senador entrou em contato direto com o diretor da companhia aérea Azul, senhor Martins, e conseguiu, a título de cortesia, uma tarifa no valor de R$ 1.700”, diz a nota da empresa.
Já no caso do senador Walter Pinheiro, a Voetur diz que a solicitação encaminhada pelo gabinete foi para emissão de bilhete na classe executiva. E que a coordenação do Senado encarregada avalizou os preços apresentados. “A Voetur apresentou à Coapar três cotações, e ela nos encaminhou a autorização para a emissão do bilhete no valor de R$ 20.719,81. Contudo, o senador, sem fazer nenhum contato com a Coapar e nem com a Voetur, decidiu não utilizar o referido bilhete e por conta própria emitiu outro bilhete na classe econômica, que ele alega ter custado o valor de R$ 4.000”.
A direção da Voetur também sustenta que os preços aumentam porque, na maioria das vezes, as solicitações de passagens são requeridas sem nenhuma antecedência, o que gera custo maior. “Aproveitamos para fazer um apelo ao Senado Federal para que atue no combate às práticas inidôneas de algumas agências de turismo, que estão ofertando ao governo taxa de agenciamento zero, de forma a induzir a erro com a falsa impressão de que a aplicação da taxa zero gera um benefício financeiro, quando, na verdade, ocorre o que o TCU constatou (em acórdão), que as agências ‘podem estar valendo-se de práticas suspeitas durante a execução contratual para cobrirem os valores ofertados na licitação’”, diz a nota da Voetur.
A Mesa Diretora do Senado foi procurada, mas não respondeu até a noite de sexta-feira.
Puxadores de votos rendem R$ 94 mi em recursos públicos para os partidos
Fundo Partidário cresce e ganha importância como fonte de receita para as siglas em 4 anos; no período, cada voto para deputado rende R$ 12
Autores: Daniel Bramatti e Isadora Peron
Fonte: O Estado de S.Paulo- 10/02/2014
Os chamados “puxadores de voto” nunca valeram tanto para seus partidos. Ao final dos quatro anos entre 2011 e 2014, os 20 deputados federais mais votados na última eleição terão rendido R$ 94 milhões em cotas do Fundo Partidário, alimentado com recursos do governo federal.
Celebridades, ex-governadores ou parentes de detentores do poder, os “puxadores de voto” sempre foram cortejados pelos partidos porque os ajudavam a ampliar suas bancadas – pelas regras do sistema eleitoral brasileiro, um candidato pode eleger a si próprio e também a outros colegas de legenda ou de coligação. O assédio aos campeões de votos tem, no entanto, uma segunda motivação: dinheiro.
Quanto mais votos uma legenda obtém na disputa pela Câmara, mais recebe do Fundo Partidário – fonte de recursos públicos que terá R$ 313 milhões em caixa em 2014 e que cresceu 135% acima da inflação desde 1996.
O PR, por exemplo, emplacou em 2010 os deputados mais votados em São Paulo (Tiririca) e no Rio (Anthony Garotinho). Apenas com os 2 milhões de votos desses dois, o partido conseguiu engordar sua conta bancária em quase R$ 25 milhões entre 2011 e 2014.
Na prática, ao votar em um candidato a deputado, o eleitor faz uma doação indireta – e quase sempre ignorada – a seu partido. Nos últimos quatro anos, somados, essa contribuição compulsória foi de R$ 12 por eleitor – no período, o Fundo Partidário distribuiu R$ 1,2 bilhão.
Nem sempre o fundo teve tantos recursos. Entre 1996 e 2010, seu valor médio (corrigido pela inflação) ficou em torno de R$ 160 milhões. Desde 2011, saltou para R$ 303 milhões. Isso aconteceu porque, naquele ano, o Congresso decidiu ampliar em R$ 100 milhões a dotação orçamentária do fundo. Na prática, como o Estado noticiou na época, houve uma “estatização” de dívidas da campanha de 2010, que acabaram pagas com recursos públicos.
Mesmo bancando parte das campanhas, a siglas costumam ter “lucro” com os principais candidatos. Tiririca, por exemplo, recebeu R$ 664 mil do PR na campanha eleitoral de 2010, e seus votos renderam R$ 16,3 milhões em quatro anos – 2.358% a mais.
Nomes. Em 2014, Tiririca repete o papel de “puxador de voto” do PR paulista. No Rio, a aposta é na filha de Garotinho, Clarissa. Em São Paulo, o PSDB pode ter como destaque na lista de candidatos à Câmara o ex-governador e ex-presidenciável José Serra. O partido aposta ainda em nomes do secretariado do governador Geraldo Alckmin, como Bruno Covas e José Aníbal. Em outros Estados, a expectativa é eleger estrelas do voleibol – o técnico Bernardinho, no Rio (que chegou a ser sondado para disputar o governo fluminense), e os ex-jogadores da seleção Giba e Giovani, no Paraná e em Minas, respectivamente.
Florisvaldo Souza, secretário de Organização do PT, disse que a sigla não costuma investir em nomes de celebridades, e sim nos quadros já firmados. Segundo ele, deputados que disputam a reeleição costumam ser os maiores puxadores de voto.
O PSB espera que o ex-jogador Romário faça sucesso nas urnas do Rio. O partido também acredita que João Campos, filho do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, vai ter uma votação expressiva no Estado. / COLABORARAM DIEGO RABATONE e VALMAR HUPSEL FILHO
O governo tem pressa
Em seu último ano de mandato, Dilma altera a equipe para garantir a reeleição. Novos ministros assumem e Paulo Rogério Caffarelli deixa o BB para ser o número 2 da Fazenda
Autoras: Denize Bacoccina e Carolina Oms
Fonte: Istoé Dinheiro- 09/02/2014
Nos últimos meses, Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente do Banco do Brasil, vinha liderando discussões com bancos privados para a elaboração de novas modalidades de financiamento das obras de infraestrutura. Na quinta-feira 6, Caffarelli foi chamado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para uma reunião em seu gabinete, no quinto andar da sede do Ministério, em Brasília. Saiu da Esplanada como o número 2 da Fazenda. Novo secretário-executivo da pasta, foi encarregado de melhorar o diálogo do governo com o sistema financeiro e com os empresários.
De olho na reeleição, a presidenta Dilma Rousseff aproveitou a reforma ministerial, na qual substitui os ministros que deixam a função para disputar cargos locais, para dar uma mexida em posições estratégicas. Com o PIB crescendo em torno de 2%, o governo sabe que precisa acelerar o ritmo dos investimentos para manter o desemprego em baixa e a renda em alta – e aumentar suas chances no pleito de outubro. Paranaense, 48 anos, formado em direito, com mestrado em economia pela Universidade de Brasília, Caffarelli é funcionário de carreira do BB, onde entrou como menor aprendiz há mais de 30 anos.
Corredor nas horas vagas, até quarta-feira passada comandava as áreas de atacado, negócios internacionais, private bank e mercado de capitais. No cargo atual desde 2012, anteriormente comandou as divisões de seguros, previdência privada, capitalização e cartões. Também participou da expansão do crédito, o que permitiu ao banco aumentar sua fatia nesse mercado nos últimos anos. No ano passado, comandou a abertura de capital do BB Seguridade, o maior IPO do mundo naquele ano. Caffarelli substitui Nelson Barbosa, que deixou o posto em maio do ano passado após divergências com o ministro Mantega sobre a política fiscal.
Barbosa, que foi muito próximo à presidenta Dilma Rousseff, perdeu a disputa com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, autor da “contabilidade criativa” das contas de 2012, que iniciou o processo de desgaste da imagem do governo brasileiro. Nesse período, o posto de secretário-executivo foi ocupado interinamente por Dyogo de Oliveira, que volta a ser secretário-executivo-adjunto. A escolha de Caffarelli foi recebida, no mercado, como uma indicação de que o governo quer conversar mais com o setor privado. “Ele é muito competente, tem amplos conhecimentos do mercado e entende como a economia deve funcionar”, diz Flavio Serrano, economista-sênior do BES Investimentos.
No banco, ele já fazia isso. Participou, por exemplo, das discussões para viabilizar o financiamento privado nas concessões de rodovias. Ao mesmo tempo, tinha amplo trânsito com clientes no mercado de capitais e empresas em busca de recursos para seus projetos. Participou ainda do conselho de administração de diversas companhias. Nos últimos anos, o Banco do Brasil aumentou sua participação nos projetos de infraestrutura, tanto com recursos próprios quanto em repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um levantamento do BB mostra que todos os projetos de infraestrutura previstos até 2018 somam R$ 377 bilhões, dos quais R$ 260 bilhões são passíveis de financiamento.
Desse total, o BB prevê participar com R$ 113 bilhões. Agora, Caffarelli terá como missão convencer os antigos concorrentes a investir no setor. Mas os desafios não se limitam ao trabalho dentro da Fazenda. Simpático e habilidoso no trato com as pessoas, Caffarelli terá de usar essas características nos outros desafios que encontrará na gaveta. Uma de suas missões será convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal a não alterar a correção dos planos econômicos dos anos 80 e 90, que podem gerar um prejuízo de até R$ 150 bilhões para os bancos, boa parte desse valor para o Banco do Brasil e a Caixa. Também terá de negociar com o Congresso a mudança no indexador da dívida dos Estados e municípios e tentar barrar projetos que aumentam os gastos públicos.
DANÇA DAS CADEIRAS Outros ministérios passam por reformulações. Várias pastas terão seu titular substituído. Algumas escolhas serão técnicas e outras, políticas. Tudo para garantir eficiência, de um lado, e um maior tempo de propaganda eleitoral, de outro. “A presidenta Dilma está muito preocupada em fazer o governo funcionar”, diz Antônio de Queiroz, consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Por isso, o perfil dos próximos ministros tende a ser mais técnico, ainda que construído com o objetivo de garantir horário eleitoral na televisão.” Na semana passada, tomaram posse os novos ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da Saúde, Arthur Chioro, da Educação, José Henrique Paim, e da Comunicação, Thomas Trauman.
Antecipando o debate que deverá ganhar força nos próximos meses, Mercadante falou sobre a economia no discurso de posse, reafirmando o compromisso do governo com o controle da inflação e o emprego. “Nesse novo Brasil, a responsabilidade com as contas públicas não está dissociada da responsabilidade social, como ocorria em outros tempos”, afirmou. Além da disputa política, uma dificuldade a mais na hora de preencher os cargos é o caráter de interinidade, num governo com menos de um ano de vida pela frente. É o caso do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Dilma gostaria de colocar um empresário no posto, repetindo a estratégia adotada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato, quando teve como ministro Luiz Fernando Furlan, hoje presidente do Conselho de Administração da BRF.
Até a semana passada, no entanto, ainda não havia encontrado uma pessoa disposta a deixar um cargo importante no setor privado para assumir o posto de Fernando Pimentel, que disputará o governo de Minas Gerais. O presidente do grupo têxtil Coteminas, Josué Gomes da Silva, foi convidado e recusou a oferta, pois pretende disputar um cargo legislativo. Também cotado, o atual ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Afif Domingos, disse que prefere manter-se onde está. Além do prazo curto de validade – se Dilma for reeleita em outubro, espera-se que comece o segundo mandato com uma reformulação na equipe – o empresário que aceitar o Desenvolvimento terá de abdicar dos vantajosos financiamentos do BNDES, já que seria presidente do conselho de administração do banco.
Além disso, o futuro ocupante do posto terá o desafio de colocar em prática uma política industrial capaz de aumentar a produção nacional e estimular as exportações, num momento em que, apesar do real desvalorizado, a balança comercial começou o ano com déficit de US$ 4 bilhões em janeiro. As negociações que buscam, no final das contas, garantir a reeleição de Dilma giram em torno do mesmo problema enfrentado por ela no primeiro ano de mandato: o embate entre aliados e governo por cargos, poder e verbas (leia quadro “O que está em jogo”). O PMDB viu na aproximação das eleições e na saída do PSB, de Eduardo Campos, um momento oportuno para aumentar sua influência.
Por isso, cobiça o Ministério da Integração Nacional. Mas outros partidos, com destaque para os recém-criados Pros e PSD, tiveram a mesma ideia. Por tocar obras de apelo eleitoral na região Nordeste, a pasta da Integração Nacional vem sendo disputada pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), ligado ao presidente da casa, Renan Calheiros, e pelo Pros do governador do Ceará, Cid Gomes. Com um orçamento de R$ 26,3 bilhões e um plano de investimento de R$ 7,6 bilhões para este ano, o ministério é o responsável por obras como a transposição do rio São Francisco e projetos de irrigação do semiárido. Além de um orçamento de R$ 14,5 bilhões, o Ministério da Agricultura é considerado crucial e sempre esteve ligado à bancada ruralista.
Já o Turismo, apesar de um orçamento pequeno, de R$ 1,5 bilhão, vai ganhar visibilidade no ano da Copa do Mundo. Além disso, o ministério é um tradicional endereço de emendas parlamentares, que destinam verbas para projetos em suas cidades. Ao abdicar das suas indicações, o PMDB da Câmara também se isenta da obrigação de votar nas pautas de interesse do governo. Outra pasta que vem sendo disputada pelo PMDB é a Secretaria Especial dos Portos, ocupada interinamente pelo ex-secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Antonio Henrique da Silveira, e disputada também pelo PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, e pelo PTB. Os portos são estratégicos para a presidenta, que não quer notícias sobre atrasos no escoamento da safra em ano eleitoral.
Para evitar esse cenário, que prejudicou exportadores no ano passado, o novo ministro terá a função de implementar a Lei dos Portos, que prevê novos terminais privados e arrendamentos, mas ainda caminha a passos lentos. Os novos ministros também devem encontrar um governo mais austero, preocupado com a perda de confiança do mercado financeiro e com a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do País. O tom dessa mudança vem sendo dado pelo ministro Mantega, que até pouco tempo atrás incentivou a concessão de desonerações fiscais e mandou para o Congresso um projeto que mudava o indexador das dívidas dos Estados e municípios.
Na semana passada, ele foi ao Senado para pedir “prudência e cuidado”. Na Câmara, onde o governo tem mais dificuldades para controlar a própria base aliada, a pauta está trancada há meses pelo marco civil da internet, que mexe com interesses das poderosas empresas de telecomunicações e conta com a ferrenha oposição do líder do PMDB, Eduardo Cunha. Mas, ainda que esse projeto fosse votado, a pauta continuaria trancada por projetos como a destinação de 10% da multa do FGTS para o programa Minha Casa Minha Vida. Sem dúvida, um início de ano agitado e desafiador, na Esplanada dos Ministérios e no Congresso.
Agrado a servidor fura teto salarial
Correio Braziliense – 10/02/2014
Uma proposta feita sob medida para agradar aos servidores públicos — e talvez desafiar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o governo federal— está na lista de temas a serem analisados pelo Congresso neste ano. Mesmo com pouco tempo disponível para votações, já que, como apontou o Correio na edição de ontem, o ano legislativo será mais curto, os parlamentares têm na manga um texto que vai facilitar a proliferação de supersalários na Esplanada e, de quebra, atrair votos de muitas categorias e ainda confrontar órgãos fiscalizadores. Em 2013, o TCU ganhou uma briga na Justiça para que benefícios como hora extra não servissem para o cálculo do teto constitucional, hoje de R$ 29.462,25, e obrigou o Senado a devolver o que foi pago a mais nos últimos cinco anos. No fim do ano, entretanto, no apagar das luzes e sem alarde, os congressistas aprovaram um projeto que cria 25 exceções na contagem do teto – as chamadas parcelas indenizatórias que não seriam consideradas parte do salário e que, na prática, vão inflar contracheques sem que precisem ser abatidos. E gasto extra é tudo de que o governo não quer ouvir falar.
A matéria foi aprovada na Comissão de Regulamentação de Dispositivos Constitucionais — composta por deputados e senadores — em novembro do ano passado, em menos de cinco minutos e sem que alguém tenha se manifestado verbalmente contra ou a favor. O texto regulamenta o artigo 37 da Constituição Federal, que exclui da aplicação do teto as parcelas de caráter indenizatório e diz que uma legislação específica trataria dos casos – o que até hoje não foi feito. Atualmente, a Resolução 14 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é a única norma que elencou exceções à aplicação do teto para servidores do Judiciário, como diárias de viagem, verba para mudança e transporte e auxílios moradia e alimentação.
Os parlamentares, porém, foram além, e incluíram outras verbas, como o auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-natalidade, ressarcimento de despesas médicas e odontológicas, salário-família e até o auxílio-fardamento — verba destinada aos militares para o custeio da farda. Na justificativa do projeto, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), autor da primeira versão do texto, admite que o tema é “controverso” e que deve ser observado sob dois ângulos.
“Moralidade”
O primeiro é que, “a bem da moralidade pública”, é preciso haver um limite fixo para o pagamento a servidores. “De outro lado, a política remuneratória deve ser tal que respeite a complexidade e a responsabilidade das atribuições dos agentes públicos, além de atentar para a necessidade de atrair profissionais que sejam, ao mesmo tempo, talentosos e vocacionados para atuar no Estado, submetendo-se a todas as restrições que lhes são inerentes”, argumenta.
Um dos objetivos da proposta é garantir no próprio Congresso e em outros órgãos a presença de altos servidores que, além de terem funções comissionadas, praticamente seguram o andamento das atividades parlamentares, como diretores, secretários e chefes de gabinete. O salário dos parlamentares em si não seria modificado com a regra, pois as regalias a que eles têm direito, como auxílio-moradia e verba indenizatória, já não são contabilizadas como remuneração. Na prática, a medida pode estender aos funcionários públicos parte dos direitos dos congressistas.
Além das 25 parcelas elencadas na matéria, ainda há um inciso que abre brechas para a inclusão posterior de outros benefícios. Isso porque o inciso diz que poderão surgir outras “parcelas indenizatórias previstas em leis específicas”. O relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), alega que o trecho foi colocado porque o projeto não tem a pretensão de ser uma “lista exaustiva” de todas as modalidades de verbas indenizatórias existentes.
Após passar pela comissão, o projeto chegou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em 10 de dezembro do ano passado e já foi para o plenário. O texto, porém, entra na lista dos demais que podem não andar neste ano por conta da morosidade do Congresso devido à Copa e às eleições. O Correio apontou ontem que haverá apenas 52 dias com possível votação em 2014. Mas, a depender da motivação política, a pressa pode ser amiga da aprovação de determinados temas, que beneficiem, de alguma forma, os próprios parlamentares, direta ou indiretamente.
Entenda o caso
Liminares contra a reforma
Aprovada em dezembro de 2003, a reforma da Previdência criou o teto salarial a ser aplicado no serviço público. Pouco depois, foram milhares as ações judiciais de servidores com contracheque com valores superiores — em todas elas, alegando o princípio do direito adquirido para não sofrer cortes no bolso. Os tribunais de Justiça concederam várias liminares acatando a tese, mas elas logo foram derrubadas pelo STF, que determinou o abate-teto nos altos salários. Ficou então a dúvida: benefícios e adicionais conquistados ao longo de uma carreira estariam assegurados? Penduricalhos recebidos por ocupantes de cargos eletivos seriam contabilizados no cálculo do teto?
As respostas começaram a vir em 2006, durante o julgamento do Mandado de Segurança 24.875, ajuizado dois anos antes por quatro ex-ministros do STF: Djaci Alves Falcão, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, Luiz Rafael Mayer e Oscar Dias Corrêa. Eles pediram a declaração de inconstitucionalidade de dois artigos da emenda constitucional que tratou da reforma da Previdência e incluíram as vantagens pessoais e o adicional por tempo de serviço no cômputo do teto dos servidores públicos. Também queriam o reconhecimento de violação ao chamado direito adquirido.
Durante a sessão de julgamento, os ministros entenderam que é constitucional a limitação do vencimento do servidor público — ou seja, não adiantaria argumentar a tese do direito adquirido para impedir um corte no salário. Por unanimidade, os magistrados decidiram ainda que os valores pagos referentes a adicionais por tempo de serviço (biênios, quinquênios e trintenário) devem ser incluídos no cálculo do subsídio para efeito de teto.
As vantagens pessoais foram motivo de divergência entre os ministros. Pelo apertado placar de 6 votos a 5, venceu a tese que as vantagens pessoais deveriam ser mantidas sobre o argumento da irredutibilidade dos vencimentos. Faltou então, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma legislação estabelecendo quais são as verbas indenizatórias que estariam de fora da aplicação do teto.
Corrupção e serviço público
Autor(es): Fabio Giambiagi
O Globo – 10/02/2014
Este ano, farei 30 anos de BNDES. Como seu funcionário e como cidadão, tenho as minhas opiniões próprias e sei que, não raras vezes ao longo da sua trajetória, as críticas que o Banco recebeu foram justas. Há um elemento, porém, que é fator de orgulho para os que trabalham na instituição: a imagem em matéria de lisura pessoal no relacionamento com as empresas. Em quase três décadas na casa, nunca soube de nenhum funcionário da instituição em relação ao qual, em voz baixa, os demais colegas opinassem que fosse corrupto e propenso a favorecer A ou B por receber dinheiro de alguma empresa.
Há duas razões para o trato adequado com a coisa pública. Uma é a natureza das pessoas e a forma em que entendem a ética. A outra é o conjunto de procedimentos internos de uma organização, na qual, no caso do BNDES, destaca-se a existência de decisões colegiadas através dos diversos comitês e comissões que se tornaram parte da cultura da casa e foram incorporadas às suas normas.
Para que uma compra, por exemplo, seja passível de irregularidade ética numa empresa, a decisão muito provavelmente deve ser tomada por apenas uma ou duas pessoas ou por um círculo muito fechado. Se, porém, uma licitação envolve uma comissão formada por diversos indivíduos, de várias áreas, criteriosamente escolhidos e com reputação de honestidade, é praticamente impossível que a corrupção tenha chance de se esgueirar, pela mesma razão que é pouco provável encontrar um inseto em uma área dedetizada: o corrupto e os corruptores tendem a evitar lugares onde sabem que não têm espaço para agir.
A reflexão vem a propósito da repetição de escândalos na vida política do país, em diversos períodos, com os mais diversos partidos no poder e em todas as esferas administrativas de governo.
Uma análise desapaixonada da evolução do país ao longo dos últimos 30 anos mostrará grandes avanços. Em termos gerais e tratando das questões mais importantes, a partir de 1985 o Brasil se tornou uma democracia sólida, conquistamos a estabilização e as melhoras sociais são inequívocas: a redução da pobreza, o aumento da renda dos mais pobres, a elevação do salário mínimo, o Bolsa Família e a redução do desemprego estão aí a mostrar que o país se aproximou dos países desenvolvidos.
O brasileiro sabe que, em matéria de inflação, não vive na Suíça, mas tem razões para ter orgulho, por exemplo, do nosso Banco Central, como uma instituição séria e vigilante no controle da inflação, assim como do nosso sistema eleitoral, da urna eletrônica, da eficiência de algumas das suas instituições, da liberdade de imprensa etc. Onde, claramente, o país falha é na relação existente entre os partidos e as políticas públicas. A exposição das vísceras de como se operam algumas negociações entre os partidos para pressionar o Executivo no preenchimento de diversos cargos, nos diferentes níveis da Federação, feita recorrentemente a cada escândalo noticiado na mídia, indica claramente onde reside o mal a ser extirpado. Isso passa pela maior profissionalização do serviço público e por uma redução drástica do número de cargos ocupados por indicação política. Acostumamo-nos, com o passar dos anos, com coisas que invadem nosso cotidiano com ares de normalidade, mas é evidente que um partido brigar para indicar o diretor financeiro ou o responsável pela área de compras de uma estatal é um completo disparate em matéria de gestão.
Albert Camus dizia que “quando as elites traem, as sociedades morrem”. É preciso que nossa classe política esteja atenta para o significado da frase, porque a reforma da gestão pública é a grande tarefa pendente na nossa sociedade. O país avançou, há liberdade, temos inflação baixa e uma sociedade mais justa, mas a pilhagem de recursos por uma classe voraz ameaça se tornar um câncer e minar as bases da democracia. A solução passa pela redução do grau de discricionalidade do Estado, para que quem decide não tenha uma soma de poderes como a que é citada na epígrafe deste artigo. Quem compreender isso será o grande líder do Brasil futuro.