Texto aponta a importância do papel das avaliações institucionais

 

Esse nosso caso mal resolvido com a avaliação

A avaliação de instituições, agentes políticos e políticas públicas é vista como uma função policialesca, ou prejudicada pelo sentimento de se estar delatando o colega

 

* Marcus Vinicius de Azevedo Braga e Bruno Dantas Faria Affonso         

 

O Estado é um mecanismo antigo e permeado de contradições e conflitos. Nessa rede de forças, pululam informações que subsidiam decisões, eleições, atos e despesas, sendo por vezes complexa a obtenção de uma informação qualificada sobre o desempenho de determinado programa, de dada política pública.

 

Esse monstruoso Leviatã, amado e odiado, mas sempre bem presente, tem suas linguagens e formulários com uma lógica própria, entre um papel de indução da equidade e do desenvolvimento para uns, e restrito ao mínimo possível para outros, gerando, como dizia o saudoso Umberto Eco em O Nome da Rosa, o máximo de confusão somado ao máximo de ordem.

 

Nesse sentido, ainda não amadurecemos como sociedade para transcender a revolta contra os males da corrupção, doença a corroer as relações sociais, e nos fazemos confusos nas soluções que a impeçam, esquecidos do conceito nunca realmente aprendido de accountability, como prestação de contas pelos agentes públicos de sua delegação, sujeitando-os a sanções pelo não cumprimento de seus deveres.

 

No universo desse processo de prestação de contas, multidimensional, existe um aspecto negligenciado: a avaliação. Trazemos uma dificuldade com a cultura de avaliação de nossas instituições, de nossos agentes políticos, de nossas políticas públicas, sendo esta função vista como ofensiva pelos avaliados e como instrumento de poder pelos avaliadores, e pouco aproveitada como mecanismo que descortina uma visão mais pragmática da ação estatal.

 

A avaliação acaba vista como uma função policialesca, ou ainda, em outro extremo, prejudicada pelo sentimento de se estar delatando o colega, por revelarmos o seu desempenho, em um contexto no qual não se cultiva a avaliação como mecanismo cíclico de realimentação, de verificação do que realmente ocorre versus o que deveria acontecer, um instrumento estratégico e gerador de informações.

 

No ecrã da televisão surgem as notícias de que determinado programa de governo recebeu somas de recursos públicos e não foi efetivo; ou, ainda, que um órgão público é campeão de reclamações, tudo acompanhado por números infalíveis e infográficos mirabolantes. Paradoxalmente, a imprensa pouco dá destaque à tarefa de remontar às causas que levaram àqueles problemas, tateando no escuro das suposições.

 

Dentre as causas desse caso mal resolvido com a avaliação, destacam-se também as consequências do chamado “jeitinho brasileiro”, dado que este passa pela íntima convicção em nossa consciência coletiva de que os problemas, os desafios e, no limite, as atrocidades, a miséria, a corrupção, se resolverão por si só ou pela força de outrem, na lembrança do analfabeto político de Brecht.

 

Quem sabe essa mentalidade não seja um forte fator de desestímulo à cultura de avaliação, de estabelecimento de relações de pertinência entre causa e efeito e, consequentemente, de escolhas racionais? Afinal, para que medir para mudar, se tudo ao fim se arrumará, numa falta de senso de coletividade, como matriz essencial para discussão dos problemas sociais.

 

A avaliação tem o condão de explicar a atuação estatal pela ponta, pela via dos resultados, e permite aos cidadãos e agentes públicos mensurar, corrigir, investir, além de ser fonte de redução de desperdício e de mitigação da corrupção, dado que um bom processo de avaliação tem o potencial de prevenir o desvio, fazendo-se elemento indispensável para a boa governança pública.

 

Aos próprios governos pode interessar a avaliação, como forma de controlar a sua máquina, identificando os caminhos do sucesso dos seus programas e bandeiras apresentadas na campanha eleitoral, para colher o lucro político, como deve ser no jogo político amadurecido, valorizando resultados e a confiança que dá liga ao processo democrático.

 

No sentido de tornar a avaliação fluida, é importante que sejam veiculadas em linguagem sem cifras, que corram as escolas e sejam discutidas pelos professores da educação básica, que sejam casos de ensino nas universidades, que tenhamos ONGs e institutos de pesquisa produzindo conhecimento sobre o tema, que surjam nas pautas da imprensa, e, por fim, que para o cidadão o produto das avaliações signifique um elemento importante na hora de eleger seus representantes e exercer o controle social.

 

Avaliar para economizar, avaliar para melhorar, avaliar para pensar o futuro. Avaliar como função já embutida na gênese de nossas ações, ampliando o aprendizado organizacional, com os erros e acertos, sem incorrer no erro de avaliar o Estado com as mesmas réguas com que medimos as empresas ou outros tipos de organização. Uma retomada essencial em momentos de crise, que, como tudo, passará, mas restará o legado que poderá nos servir de mestre, ou de pesadelo.

 

 

Marcus Vinicius de Azevedo Braga é auditor governamental e doutorando em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento. Bruno Dantas Faria Affonso é auditor governamental e mestrando em Administração Pública.

 

 

Publicado no dia 18 de janeiro, no site Gazeta do Povo