“Não é bom fazer reforma administrativa com o intuito de ajuste fiscal”, declara Marques

Para o presidente do Unacon Sindical, não se pode mexer em áreas complexas só para ajustar as contas. “Gostaríamos de estar debatendo com o governo um assunto dessa magnitude”, disse

Fim da estabilidade no funcionalismo deve pautar debates sobre reforma administrativa no Congresso

Pacote que altera relação com o funcionalismo chegará ao Congresso após aprovação da reforma da Previdência no Senado

 

A reforma administrativa integra o rol de mudanças estruturais básicas defendidas pela equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro para colocar as contas em dia. No entanto, há preocupação com a resistência de categorias do serviço público em abrir mão do principal trunfo do funcionalismo, a estabilidade.

 

Articuladores políticos do Planalto já preveem duros embates frente ao lobby, em especial, de carreiras que possuem salários mais altos e avanços mais atrativos.

 

Apesar da promessa governista de adotar regras claras para a análise do servidor público, estabelecendo critérios de produtividade, representantes dos trabalhadores reclamam por não terem sido chamados para participar das discussões.

 

— Não é bom fazer reforma administrativa com o intuito de ajuste fiscal. Não se pode mexer em áreas complexas só para ajustar as contas de maneira episódica. Além disso, nós gostaríamos de estar debatendo com o governo um assunto dessa magnitude, mas a reforma está sendo feita a portas fechadas — critica o presidente do Fonacate, fórum que reúne 32 carreiras e cerca de 200 mil servidores, Rudinei Marques.

 

Qualquer alteração profunda na relação do Executivo com a funcionalismo terá que levar o carimbo do Congresso. O assunto é visto com bons olhos na cúpula do Legislativo. Após a aprovação de mudanças na Previdência em segundo turno na Câmara, em agosto, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a continuidade das reformas, destacando a tributária e a administrativa. Quando questionado, garante apoio ao fim da estabilidade de servidores.

 

Ainda assim, o assunto divide opiniões nos corredores do parlamento. Até mesmo partidos que acompanham o governo em pautas econômicas ainda tratam o assunto com cautela. Uma exceção é o Novo, que apesar de não integrar a base aliada do Planalto, é um dos principais fiadores das iniciativas assinadas pelo presidente Jair Bolsonaro.

 

— Sempre defendemos que a estabilidade não pode ser tabu. Ela é necessária para alguns cargos de Estado, mas, de resto, o que deve prevalecer é a meritocracia. Isso valoriza o bom servidor que, muitas vezes, acaba se desestimulando a prestar um serviço melhor, em virtude da estabilidade que protege alguns maus servidores — pontua o líder do Novo na Câmara, Marcel Van Hattem (RS).

 

Ainda sem a versão final da reforma administrativa, integrantes da equipe econômica já falam abertamente sobre as propostas, avaliando o impacto entre a população e o mercado. A análise inicial é de que haveria apoio da sociedade em geral. Mas, no Legislativo, já há movimentação para desidratar o pacote.

 

Em 3 de setembro, foi criada a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. Ao todo, 235 deputados e seis senadores apoiaram o movimento. Coordenador da iniciativa, o deputado Israel Batista (PV-DF) critica o caráter fiscal da reforma e sustenta que o grupo irá atuar para que as regras atuais sejam mantidas.

 

— Não acreditamos que o servidor seja culpado pelo mau serviço, mas, sim, a ingerência política em áreas técnicas. O servidor é o guardião da memória do Estado, é aquele que mantém o funcionamento de políticas que independem da coloração partidária de quem está no governo — diz.

 

Para o professor do Departamento de Gestão Pública da FGV-SP, Gustavo Fernandes, o ponto fundamental de uma reforma administrativa que prevê o fim da estabilidade no serviço público é a definição de critérios claros para que a análise de desempenho seja realizada de forma transparente.

 

— A grande dificuldade que temos no Brasil é a confusão entre estabilidade e a ausência de qualquer cobrança. É preciso regulamentar e dinamizar o processo de exoneração em caso claro de incompetência ou desinteresse no exercício da carreira pública. Sem análise, a gente corre o risco de não perceber que existe baixa eficiência do serviço público, porque não funciona com base em resultados — opina.

 

Atualmente, o serviço público federal tem 117 carreiras distintas, com cerca de dois mil cargos diferentes e, aproximadamente, 250 tabelas remuneratórias. A intenção do Ministério da Economia é reduzir todos os números, mas mantendo grande parte das regras atuais para quem já trabalha no governo federal.