Em artigo publicado no Estadão, Marcus Braga provoca: “Sr. Candidato, mas e o controle interno, hein?”

Auditor Federal de Finanças e Controle (AFFC) e Leonardo de Araújo Ferraz, presidente do Conaci, assinam texto publicado nesta segunda-feira, 4 de maio. Leia na íntegra

Sr. Candidato, mas e o controle interno, hein?

 

* Marcus Vinicius de Azevedo Braga e Leonardo de Araújo Ferraz

 

 

Nesse último final de semana, após o encerramento da entrevista do Ministro Luis Roberto Barroso em um programa jornalístico na televisão (3/05/2020), que assumirá o TSE ainda neste maio, fica-se com uma nítida sensação de que há um certo desassossego no ar. Tempos estranhos estes, em que o inimigo invisível insiste em escancarar nossos medos mais inominados e desmascarar nossa finitude. Tempos complexos estes em que as crises, sanitária, econômica, político-jurídica entrelaçam-se em um emaranhado de fios cujo porvir é decerto, incerto.

 

Nesse particular, a fala do ministro nos dá um choque de realidade na medida em que, se de um lado incertezas e complexidades parecem congelar a passagem do tempo, paradoxalmente de outro, o tempo mesmo não para. Assim, como num piscar de olhos, nos damos conta de que teremos ainda este ano, o coroamento, o ápice de todo regime democrático, que são as eleições. Sim, é verdade: este ano, pelo menos até segunda ordem, elegeremos Prefeitos e vereadores nos 5568 municípios que integram a multifacetada federação brasileira.

 

Nesse contexto, os desafios são renovados e recalibrados a cada pleito, com especial destaque para a necessária exigência de uma maior legitimação do agir estatal por meio o incremento da participação popular, talvez em uma releitura dessacralizada da máxima vox Populi, vox Dei. Particularmente, é imperioso que os candidatos e candidatas estejam atentos à voz das ruas, cujas mensagens, na maior parte das vezes, diretas e não cifradas, sinalizam as principais demandas da sociedade.

 

Quem não se recorda, dentre essas fotos da internet que versam sobre manifestações (d)e protesto, faixas e cartazes contendo exortações aos políticos para uma
tomada de posição em temas sensíveis como a saúde, a educação, segurança pública e também, a corrupção: dizeres como “A saúde do Brasil pede socorro”; “Queremos a prestação de contas do Fundeb”; “país rico é país sem corrupção” ou “cadê a segurança pública” compõem um arco de demandas que servem de alerta para aqueles
(bem)aventurados a integrar o sistema político brasileiro.

 

Assim, o que se quer mostrar é que para que essas legítimas demandas não se tornem chavões genéricos e vazios de mais Saúde, Segurança e Educação (a tríade do Século XXI), é essencial um maior pragmatismo nas plataformas eleitorais dos candidatos, por meio da apresentação de propostas concretas que visem a melhoria na governança, em especial no que se refere ao controle da gestão. Isso porque não há comodar o necessário salto qualitativo na gestão, melhorando as entregas e a confiança da população, rompendo os elos de uma burocracia agigantada que também retroalimenta a corrupção e menoscaba a eficiência administrativa, esta tão cara em tempos de escassez de recursos, sem a adoção dos controles na medida adequada.

 

Isso! E os problemas que advém desse cenário são de diversas ordens: de uma parte, como a face visível dos programas eleitorais, em tempos do Brasil da (pós) lava
jato, ideias pródigas e mirabolantes surgem no horário eleitoral como fator de luta contra a corrupção e seus nefastos efeitos, mas pouco se diz como implementá-las, levando-se em conta as díspares realidades do nosso Brasil; de outra, e aí o problema mais se agudiza, as concretas ações de melhoria da gestão e seus controles. Neste  ponto, ora são de fatoinexistentes, ora estão escondidas nas entrelinhas e sombras das propostas dos candidatos. Fica então a pergunta: por que no que se refere ao controle, somos tímidos e acanhados? Seria desconhecimento?

 

Para responder a esse questionamento, já focando mais na realidade municipal, face ao pleito que se aproxima, e no que é responsabilidade dos prefeitos, o fato é que apesar de estarem previstas no artigo 74 da Constituição Federal de 1988, as estruturas de controle interno ainda são modestas, mesmo em municípios de maior porte, não parecendo ser um investimento que “dê camisa” aos candidatos, mesmo diante do protagonismo do combate a corrupção na pauta nacional, nesta década que se finda, e da necessária ampliação do debate sobre o incremento da qualidade da gestão pública. De forma a materializar essa afirmação, pesquisa recente desenvolvida no segundo semestre de 2019, envolvendo 1.037 cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes, indicou que apenas 24% dos municípios respondentes afirmam ter em funcionamento as quatro funções de controle (ouvidoria, auditoria, corregedoria e integridade), o modelo moderno inspirado nas macrofunções da Controladoria-Geral da União, órgão de referência nessa discussão, e que seria uma forma de indicar a estruturação dessas capacidades estatais para dar conta do risco de corrupção e da
melhoria da gestão.

 

Essa realidade mostra que o fortalecimento do controle interno, como mecanismo preventivo e inicial para dar conta da corrupção e aumentar a eficiência, é uma necessidade premente, mas para que isso ocorra no âmbito municipal, essa pauta precisa dialogar com a agenda eleitoral, nas demandas e pressões que se apresentam nesse período de mudanças e continuidades, de forma que cabe ao eleitor perguntar: “Sr. Candidato, mas e o controle interno, hein?”.

 

Nesse sentido, esse breve artigo traz uma análise de 26 programas de governo depositados na justiça eleitoral dos candidatos à prefeito eleitos das capitais dos estados, nas eleições municipais de 2016, que foi a primeira eleição após a Operação Lava Jato etoda a mobilização em torno da agenda anticorrupção, e que foram disponibilizados na internet pelo Sistema DivulgaCandContas (Sistema de divulgação de candidaturas e prestação de contas) do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, a luz de alguns quesitos:

 

(1) Apesar da lei ser posterior a eleição, a prática da ouvidoria já vem sendo amadurecida desde a década de 1990 no Brasil.

 

Apesar das limitações desse objeto de análise pela histórica dissociação dos Programas de governo com a realidade da gestão, pela falta de uma accountability de promessas, trata-se de um indicador de um conjunto formal de intenções e valores, que serve como referencial para avaliar como a discussão do controle se apresenta no mercado eleitoral municipal.

 

Cabe registrar que apenas dois municípios não fazem referência a nenhum desses quesitos em seus programas, o que é uma situação que demonstra, ainda que de forma não estruturada e devidamente valorada, a presença da pauta do controle na discussão Municipal, com a consideração de se tratarem de capitais, teoricamente mais estruturadas.

 

A agenda de traço participativo aparece de forma predominante nos programas dos candidatos, com a transparência (84,6%), controle social/participação (84,6%), e fortalecimento da ouvidoria (53,8%) com bons índices, demonstrando o apelo eleitora, de uma bandeira de mais participação popular, com as ressalvas de que a transparência surge como valor hegemônico, mas não necessariamente em iniciativas, ao contrário do controle social, forte em práticas propostas, em especial no fortalecimento dos conselhos.

 

Essa agenda participativa ainda se apresenta em 2016 em fase de instrumentalização no que se refere as ouvidorias, com muitas práticas de interação com a população, mas ainda não vinculadas ao escopo dessa macrofunção, o que se fortalece com o advento posterior do seu marco legal, a Lei nº 13.460/20176.

 

Importa destacar também que muitos programas de governo citam a participação do município em rankings de transparência, como a Escala Brasil Transparente da Controladoria-Geral da União, e outros promovidos pelo Ministério Público e pelos Tribunais de Contas, além de propostas interessantes de criação de aplicativos, uso da internet das coisas, ações específicas de transparência para licitações/contratos, o incentivo a audiências públicas e os clássicos orçamento participativo e o governo
eletrônico.

 

A presença marcante da pauta mais participativa é contrastada por ações mais diretivas que figuram timidamente, com ações de auditoria, corregedoria e integridade/combate a corrupção com uma aparição abaixo de 30%, e no caso da integridade, essa expressão não é citada em nenhum programa analisado, e a corrupção surge de forma genérica e difusa como um mal a ser combatido, um cenário que acreditamos que será diferente em uma eleição em 2020, pela ascensão da discussão desses temas em tempo recente. Como complicador e fator de preocupação, a ineficiência em processos de trabalho, protocolos e ações não é identificada e sequer consegue ser percebida, em boa parte dos municípios brasileiros.

 

A reestruturação da controladoria municipal como promessa de campanha surge em dois municípios apenas, e a agenda de realizar mais auditorias aparece vinculada a política de saúde, mais especificamente, e ainda, na ideia associada de orientação ao gestor, e casos isolados citam a implantação de núcleos de controle interno, combate ao desperdício e a promoção da gestão de riscos.

 

A questão disciplinar é muito técnica, e era de se esperar que ele aparecesse pouco, e as análises mostram que, quando ela é citada, é no conjunto das outras macrofunções, e a corrupção, surge timidamente como problema a ser combatido, de forma incidental, e em algumas políticas, como a ambiental, e alguns candidatos falam de promoção de códigos de condutas, gestão da ética, de forma bem esparsa, com a sentida ausência do tema do conflito de interesses.

 

Esse cenário, em que pese serem poucos municípios, o que inspira pesquisas futuras, apresentam uma visão do receituário municipal do controle interno naquele período, mostrando que ele não é invisível para a pauta eleitoral, com um amadurecimento dos temas relacionados a transparência e controle social, com um movimento crescente da ouvidoria da integridade, e a ausência de temas mais técnicos, como a auditoria e a corregedoria, propiciando reflexões para as próximas eleições que se avizinham, não só para os candidatos a prefeitos e também ao legislativo municipal, mas para a imprensa e outros formadores de opinião, que cobram e pautam esses temas, pois não é possível uma política pública de qualidade sem um bom controle interno.

 

* Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (UFRJ) e Auditor

Federal de Finanças e Controle.

Leonardo de Araújo Ferraz, Pós-doutor em Direito, Doutor em Direito Público (PUC-MG). Controlador do Município de Belo Horizonte – MG. Presidente do CONACI – Conselho Nacional de Controle Interno.

 

Fonte: Estadão