AFFC Marcus Braga aborda a função controle governamental em novo artigo

Auditor de Finanças e Controle filiado ao Unacon Sindical fala sobre as principais tensões do Século XXI sobre o tema. Texto foi publicado nesta quinta-feira, 17 de setembro

Função controle nos governos: superando as tensões no Século XXI

Marcus Vinicius de Azevedo Braga*

 

De discussão esquecida nas reformas gerenciais na década de 1990 a condição de vedete nesse final da segunda década do século XXI, a função controle governamental, aquela que se preocupa com o concreto frente ao planejado, com os limites aos abusos, com a proteção em relação incerteza e a corrupção, se utilizando para isso de mecanismos avaliadores, orientativos e sancionadores,  é uma função político-administrativa que, bem ao feito do século atual, tem tensões relevantes.

Esse controle, que é uma instrumentalização da accountability, se faz por meio de órgãos específicos, especializados, organizados em redes, que não concentram poderes, e que demandam articulação. Também se faz pela participação social, pela inserção dessa função na comunidade, pelo controle social, que se manifesta pelo conselho, pela denúncia e pela manifestação nas ruas, bem fiel aos modelos propostos pelo pesquisador argentino Guillermo O’Donnell (1936-2011).

Função que se espraia nas complexas relações Inter federativas, de um país de dimensões continentais, com mais de 5500 municípios, que gestam políticas sociais que se referem a dividas históricas perceptíveis na desigualdade regional e social, em um cenário de legislação densa, com múltiplas instâncias judicantes, e de uma percepção aguda do fenômeno da corrupção pela sociedade.

Um caldeirão em um início de século conturbado, e que tem tensões que atravessam o caminho da função controle, que cresceu não só em percepção ou no calibre de suas instituições, mas também em possibilidades, por abrir o seu leque de atuação para além do universo contábil, e pelas capacidades oriundas do uso de tecnologia de informação, de bases de dados, que potencializam a transparência, ações preventivas e detectivas de cruzamento de dados de sistemas corporativos.

A primeira tensão é sobre a visão do negócio da função controle. Polarizam-se os que defendem a autonomia do gestor, para inovar na construção de resultados, reduzindo o controle a algo que sempre atrapalha,  entremeados por outros mais desconfiados, focados na vigilância de processos e na responsabilização de agentes, e ainda um outro grupo, mais contingencial, que media essas relações focando em estruturas administrativas, governança, e medidas preventivas, com a centralidade na gestão de riscos.

A segunda tensão trata dos limites frente a articulação, estampada na manutenção da autonomia dos órgãos de controle frente a necessidade de atuação em rede, de forma articulada. Como conciliar a independência de cada fiscalizador frente ao risco de lacunas e superposições? Como se coordenar, sem ser capturado por um órgão da rede, rompendo as visões de divisão do poder como um mecanismo de prevenção ao abuso? Uma tensão que se acentua à medida que o controle se torna mais relevante e seus órgãos se robustecem.

A tensão das múltiplas temáticasé outra que floresce no tempo atual na função controle. Pautas jurídicas disputam espaços com temas contábeis e orçamentários, e ainda, com visões da ciência política e da administração pública, com pitadas das ciências econômicas, em um balaio que demanda um agir transversal desses agentes, pressionados, naturalmente, pelas guildas modernas, e pela dependência da trajetória, o que por vezes gera quimeras na atuação prática, nas quais essas tensões se fazem visíveis.

Uma outra tensão é a da diversidade funcional, de como esse controle se instrumentaliza, por funções de ouvidoria, de auditoria governamental, de corregedoria, e promoção da transparência, e de integridade e prevenção a corrupção. Um modelo que padece de questões consensuais e classificatórias, como pode pela sua implementação desmedida, tornar a função controle extremamente onerosa, com demanda por cargos e estruturas que podem inviabilizá-la, e ainda, com potenciais cooperativos e conflitivos.

É preciso superar essas tensões. Elas se refletem no “como”, no “quem”, no “em que medida” controlar, e no quando atuar. Uma visão contingencial, na construção das famosas pontes, precisa surgir para romper essas casamatas que se digladiam, em especial pela visão de que a ausência de uma contribuição dessas traz prejuízos. Mas, que se faz necessário que esses extremos encontrem espaços mediados para esse tipo de convivência mais harmonizada.

Se o controle só focar na estrutura e esquecer o agente, campeia a impunidade. Entretanto, só o foco no agente, olvida-se o aspecto preventivo. A autonomia dos órgãos de controle tem um sentido, que precisa ser harmonizado com a capacidade de articulação, para que as ações sejam céleres e complementares, fugindo de uma atuação ensimesmada.

Da mesma forma, a transversalidade de ciências e visões precisa fortalecer o controle, pois os riscos são financeiros, operacionais e de conformidade, cabendo espaço para temas e funções, que devem ser coordenadas, para que a auditoria que avalia se alimente da interação com a população propiciada pela  ouvidoria e transparência, e que tenham essas ações efeitos preventivos e de responsabilização.

O controle não é responsabilidade de todos. Essa diluição totalizante afasta a necessidade de pensar arranjos, mecanismos de coordenação que otimizem e pacifiquem, dentro do possível, essas tensões. E à medida que indica o sucesso desses arranjos é o aumento da eficiência da gestão pública, por dar conta de riscos de desperdício, má gestão e improbidade. Tudo isso que causa tensões precisa convergir para uma boa governança, para uma entrega com integridade, para serviços públicos de qualidade, com economicidade, e com o envolvimento da população.

Fugir disso é ser devorado por essa alcateia de tensões, que nascem das necessidades de especialização, da história dessa função no Brasil, do seu caráter interdisciplinar e que permeia as políticas públicas e a sua gestão. É preciso pensar nos arranjos, como as conhecidas três linhas do IIA(1), o modelo de macro funções da CGU, e outras tentativas de dar sinergia a esses atores.  Controle é uma função complexa, e que não se improvisa.

 

  • The Institute of Internal Auditors.

* Marcus Vinicius de Azevedo Braga: Doutor em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (PPED/IE/UFRJ)

 

 

Fonte: Publicado originalmente no Blog gestão, Política & Sociedade do Estadão