Servidores admitem reforma administrativa, mas divergem sobre mudanças

Proposta do governo federal, que busca cortar gastos, é amplamente rejeitada

Entidades de servidores públicos afirmam que são a favor de aperfeiçoamentos nas regras da gestão administrativa, mas não há consenso sobre quais temas poderiam avançar no Congresso.

Uma reforma como a proposta pelo governo federal, que busca cortar gastos, é amplamente rejeitada e vista como uma tentativa de reduzir o tamanho do Estado e precarizar a prestação de serviços.

As entidades avaliam que o número de funcionários e os gastos com servidores não são elevados, quando comparados a outros países com sistemas de saúde, educação e segurança públicos semelhantes aos do Brasil.

Algumas entidades defendem regulamentar o teto salarial do setor público, que varia de acordo com o nível de governo, mas não deixam claro se seria possível acabar com todos os “penduricalhos”.

A redução do número de carreiras, o fim da promoção por tempo de serviço e a regulamentação da demissão por problemas de desempenho também estão entre as propostas na mesa, mas sem consenso entre a categoria.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público e a Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) lançaram uma série chamada “Cadernos da Reforma Administrativa” para discutir o tema.

Entre as sugestões estão cargos com atribuições mais amplas (sem prejuízo do princípio da especialidade), a revisão da progressão de carreiras (desde que se permita chegar ao topo após 15 ou 20 anos ) e a regulamentação da avaliação de desempenho para aquisição da estabilidade, com base em critérios transparentes e com direito a recurso.

Os autores sugerem ainda manter o regime estatutário para praticamente todas as carreiras, permitindo a introdução do regime de emprego em atividades hoje já sujeitas a terceirização.

“Tudo o que está sendo prometido na PEC, mas não está sendo entregue em termos de modernização do Estado, eficiência da máquina pública e mesmo de economia do ponto de vista fiscal, poderia ser tratado por legislação infraconstitucional”, afirma o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.

“A gente está trazendo questões propositivas. O que poderia melhorar e aperfeiçoar, se esse for o caso. De repente não é o caso. Se for, tem como acelerar a implementação do governo digital, que está na Câmara, a desburocratização, com criação de guichês únicos, e, mesmo na avaliação de desempenho, tem como avançar nessa questão.”

O material divulgado pela Fonacate, que conta com autores de diversos órgãos públicos, mostra divergências em relação a alguns desses pontos. Dois cadernos dedicados especificamente à demissão após avaliação de desempenho, por exemplo, praticamente descartam a possibilidade de se adotar tal sistema no setor público.

“Mais do que avaliação de desempenho, a gente precisa de uma gestão de desempenho. Faltaram insumos? Faltou capacitação? O que vai fazer para resolver?”, questiona o presidente da Fonacate.

“E tem de ter uma avaliação também de baixo para cima, porque a gente tem problemas com a inépcia de ministros de Estado que não têm condições de titularizar determinadas pastas.”

José Celso Cardoso Júnior, presidente da AFIpea (associação dos funcionários do Ipea) e autor de um caderno sobre remunerações, também fala em melhorar a regra de progressão de carreira, que acabou virando um gatilho automático ligado ao tempo de serviço.

“O critério correto deveria estar atrelado à questão da capacitação e com desempenho e merecimento. Esse é um ponto que deve ser atacado. Assim como deve ser feito um processo de racionalização das carreiras, pois há muitas com pouca mobilidade”, afirma.

Ele também defende instituir efetivamente o teto remuneratório e rever o acúmulo de adicionais, conhecidos como “penduricalhos”. “Tem coisas que fazem sentido e outras que são privilégios decididos pelos próprios Poderes”, afirma.

Líderes de entidades também avaliam que a postura do atual governo de pressionar órgãos públicos gera desconfiança para se avançar em questões que permitam demitir servidores e contratar pessoas sem concurso.

“A avaliação tem de ser para estimular, para que as pessoas cresçam no seu trabalho. Não vejo problema nenhum nisso, mas o espírito da PEC e com o histórico do governo Bolsonaro de perseguir funcionários públicos, a gente não teria surpresa se isso servisse para dar plenos poderes para os gestores mandarem embora aqueles que pensam diferente”, afirma Sergio Antiqueira, presidente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo).

Relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado do projeto de lei que regulamenta a demissão de servidores por insuficiência de desempenho (PLS 116/2017), o senador Lasier Martins (Podemos-RS) afirma que o dispositivo não é uma ameaça aos servidores, mas uma medida que reconhece a hipótese da meritocracia, com critérios de avaliação claros e objetivos.

“Para a eventual demissão, o desempenho funcional dos servidores deverá ser apurado anualmente por uma comissão avaliadora, garantindo-se o direito ao contraditório e à ampla defesa”, afirma.

 

Publicado originalmente em: Folha de S.Paulo