Marcus Braga publica artigo “Quanto mais auditado, mais respeitado”

“Em tempos de crise de confiança nos governos em nível mundial, e do fantasma da corrupção (...) é preciso a força de mecanismos avaliadores que mostrem a todos que a gestão está melhorando nesses quesitos, em uma dimensão estrutural”

Quanto mais auditado, mais respeitado

por Marcus Vinicius de Azevedo Braga*

Apesar de ser bem claro nas normas internacionais e nacionais, em linhas gerais, que a atividade de auditoria interna tem como objetivo criar e proteger o valor organizacional, fornecendo avaliação, consultoria e conhecimento objetivo baseado em riscos, no contexto governamental ela está inserida em um contexto de accountability, no qual o controle externo e o controle social exercem um papel mediador e indutor de sua relevância.

De que forma? Simples. A eficiência de uma organização pública, as suas entregas com integridade, são fonte de lucro político para seus dirigentes e categorias profissionais ali envolvidas, o que se reverte em credibilidade, ganho eleitoral, orçamento, pessoal, relevância no contexto político e social. Assim são muitos órgãos que conhecemos, respeitados pela sua excelência.

Mas essa mecânica se faz também por dinâmicas externas, de regulações específicas, de órgãos externos de controle, como os tribunais de contas, ministério público e reguladores em geral, que sobre a unidade administrativa exercem a fiscalização sistemática ou sob demanda, de forma técnica e em aspectos relacionados ao seu desempenho ou a legalidade de seus atos, exercendo sobre esses uma pressão constante.

O chamado controle social, exercido pela população, por meio de denúncias, manifestações, por ações qualificadas pela imprensa ou por OnGs especializadas, também exerce pressão sobre os implementadores de políticas públicas, interferindo na gestão por demandas não atendidas, ou por questões pontuais de preços acima de mercado, ou de contratação de parentes. Duas forças da accountability que trabalham de forma combinada e interdependente.

Aí entra em cena a Auditoria Interna. Quando a coisa vai mal, essas forças de controle externas exercem mais pressão, aumentam sua ingerência sobre o órgão público que fraqueja. Nesse momento, para dar resposta a pressão externa, para conseguir a homeostase necessária, o corpo dirigente da organização precisa investir na melhoria de suas estruturas de controle, seu compliance, e por incrível que possa parecer para alguns, fortalecer a sua capacidade avaliativa, pelo fortalecimento da sua auditoria interna.

Sim, pois ter uma Auditoria Interna robusta e emponderada, que produza relatórios de qualidade sobre seus processos mais relevantes, gera uma cultura de diagnósticos e recomendações que em uma dimensão interna, ajudam o gestor a identificar e atuar nas suas fragilidades no momento de reconstrução, mas também mostram para o público externo a organização que o “tom da cuíca mudou”, mostrando ao controle social e ao controle externo que os problemas agora são identificados e tratados, e que a organização está conquistando a autonomia necessária para não sofrer tanta ingerência reguladora.

Mas o que ocorre as vezes é exatamente o contrário. Esvazia-se a função Auditoria Interna, o que abre espaço para mais denúncias, auditorias externas, um receituário que pelas características dessas interações, termina por engessar mais a política, em um ciclo infindo de imobilização, de baixa efetividade e de redução crônica da credibilidade. Não existe gestão forte com Auditoria Interna fraca.

O robustecimento dos mecanismos de compliance é essencial para manter o nível de integridade da organização pública, mas a avaliação independente propiciada pela Auditoria Interna é que possui o condão de oferecer diagnósticos baseados em metodologia e que podem suportar a credibilidade daquela gestão em relação as suas partes interessadas. E no mundo governamental, credibilidade é tudo.

Em tempos de crise de confiança nos governos em nível mundial, e do fantasma da corrupção assolando a mente de gestores e de cidadãos, além da agenda essencial de uma cultura de integridade, é preciso a força de mecanismos avaliadores que mostrem a todos que a gestão está melhorando nesses quesitos, em uma dimensão estrutural. Quem não cuida do volume do som na sua casa, abre espaço para o vizinho se meter e chamar a polícia, perdendo tempo com brigas homéricas. Mas não basta abaixar o volume episodicamente e regrar a casa. São precisos mecanismos para acompanhar quem coloca o rádio alto, mesmo quando não estamos olhando.


*Marcus Vinicius de Azevedo Braga, doutor em Políticas Públicas (UFRJ), autor do livro Tudo sobre controle (2021), pela Editora Fórum

 

Fonte: publicado originalmente em Estadão