Rudinei Marques, secretário executivo do Unacon Sindical, assina artigo “Desempenho importa”

Escrito em parceria com Humberto Falcão Martins, texto aborda tema do Seminário realizado pelo Fonacate nesta sexta, 30 de julho

por Rudinei Marques e Humberto Falcão Martins*

 

A PEC 32/2020, que trata da Reforma Administrativa, omite uma dimensão crucial para a conquista de bons resultados na prestação de serviços por qualquer organização pública contemporânea: a gestão de desempenho. A razão de ser das organizações públicas é tratar problemas públicos com o objetivo de solucioná-los com eficiência. Elas devem ser instrumentos de geração de valor público, e tratar de desempenho é falar sobre como fazê-las funcionar bem, otimizar recursos para atingir resultados.

 

Gestão serve para assegurar um certo nível desejável/aceitável de desempenho e melhorá-lo de forma sustentável, para perdurar. A gestão do desempenho confunde-se, portanto, com a gestão propriamente dita. Gestão do desempenho é a forma como uma organização planeja, implementa, monitora, avalia e aprende com seus resultados e com os esforços necessários para alcançá-los, desde o nível institucional geral – governos, políticas públicas, organizações – até as pessoas, como indivíduos ou equipes.

 

Todos os temas, conceitos, metodologias e instrumentos de gestão devem estar a serviço da promoção do desempenho. Isso inclui  a propalada governança, cujo propósito é direcionar, controlar e incentivar o desempenho. Engloba também o accountability, que contém o requisito da responsividade atrelado à conformidade.

 

A temática do desempenho não tem tido um tratamento condizente na prática, no debate e na literatura sobre gestão pública. Desempenho é frequentemente reduzido a desempenho de indivíduos e equipes (centrado em tarefas e micro entregas); confundido com avaliação (apenas um dentre muitos aspectos da gestão) e com capacidades (premiando-se competências em vez de sua aplicação para o desempenho). Também tem sido demonizado como “método” cruel de extração de produtividade de recursos (principalmente pessoas), seja por trazer à luz métricas e metas, seja por estabelecer consequências, como prêmios ou punições, pelo seu grau de alcance.

 

De fato, inexiste na Constituição e na legislação em geral uma visão clara, consistente e integrada de gestão do desempenho; ou melhor, existe uma ideia desestruturada, informal, casuística, fragmentária e improvisada. Aparentemente, está implícito o falso pressuposto de que os sistemas de planejamento e avaliação darão conta de prover de forma integrada o devido direcionamento, a implementação e a avaliação das organizações públicas. Isto sem adentrar no mérito da extensão na qual os sistemas de planejamento e avaliação por acaso funcionam bem. Não funcionam.

 

Resta, portanto, um desafio de que a legislação possa dispor de forma coerente sobre a adoção de modelos sistemáticos, estruturados e explícitos de gestão do desempenho, posto que isto é um requisito necessário, embora não suficiente, para que tais modelos se institucionalizem na prática. Nesse sentido, é imperioso atentar  para alguns atributos e requisitos que a gestão do desempenho deve possuir.

 

O principal deles é que a gestão do desempenho tem que perpassar necessariamente a dimensão institucional (dos governos, das organizações) e também a dimensão das pessoas, buscando integrar esta última à primeira. Na dimensão institucional, é essencial que a gestão do desempenho logre tornar explícitos, mensuráveis, avaliáveis e transparentes os propósitos, resultados e iniciativas das organizações públicas. Na dimensão das pessoas, é essencial que o desempenho dos indivíduos e equipes esteja muito bem alinhado com a esfera institucional, que contemple métricas adequadas à natureza do trabalho e um sistema de pontuação que seja fidedigno e justo. Metodologias baseadas na competição ou na ameaça devem ser rechaçadas, pois tanto a cooperação quanto o cuidado são fatores que humanizam o ambiente laboral.

 

É essencial a atenção das lideranças à gestão do desempenho. Líderes são, fundamentalmente, gestores que elaboram a liga entre a organização e suas equipes. Assim, são os grandes patrocinadores de qualquer modelo de gestão do desempenho, atuando, principalmente, na construção de um clima de aprendizado e melhoria, engajamento e cultura para resultados.

 

Outra questão diz respeito à conexão da gestão do desempenho com a temática do desenvolvimento de pessoas, requisito fundamental para o bom desempenho. A gestão identifica gaps de competências a serem vencidos, dando bom proveito à capacitação, dialoga com a temática da melhoria e inovação organizacional, indicando necessidades de melhorar processos, estruturas, orçamento, tecnologia, gestão de pessoas e a própria gestão do desempenho.

 

Uma questão polêmica diz respeito aos incentivos. É importante que haja incentivos, mas é  fundamental ter clareza de que eles não devem ser necessariamente financeiros. Estes são uma faca de dois gumes, podendo promover algum engajamento temporário, mas facilmente se tornar objeto de manipulação e reforçar o caráter interesseiro de agentes públicos não vocacionados. Incentivos meritórios são muito mais eficazes em relação à gestão pública do que os financeiros. Há muitos tipos de incentivos meritórios que podem ser utilizados, como reconhecimento, visibilidade etc.

 

Outro ponto remete à avaliação do desempenho, que quase sempre rouba a cena da gestão do desempenho. Embora necessária na maior parte das circunstâncias, a avaliação é um momento fugaz que acontece uma ou duas vezes ao ano com a expectativa de resultar em alguma consequência formal, usualmente uma recompensa. O principal da avaliação é o aprendizado gerado. Nesse sentido, feedbacks contínuos são infinitamente mais importantes do que avaliações episódicas, geralmente um processo burocrático e fake, no qual todos se colocam no topo das pontuações.

 

Estas reflexões podem ser tomadas como indicações ao aprimoramento do debate, das propostas de legislação e das práticas gerenciais no setor público. Cientes dos desafios do serviço público brasileiro diante das múltiplas crises que o país atravessa, o Movimento Pessoas à Frente e o Fonacate dão um passo histórico na construção do diálogo entre sociedade civil, servidores públicos e suas entidades de classe com vistas à elaboração de uma proposta necessária e viável de gestão do desempenho no setor público, recolocando as pessoas – de dentro e de fora do governo – no centro das decisões políticas e sociais.


*Rudinei Marques, presidente do Fonacate; Humberto Falcão Martins, professor da Fundação Dom Cabral. Ambos integram o Movimento Pessoas à Frente

 

Fonte: Estadão