Reforma Administrativa em Marcha à Ré: a Volta da PEC 32

Suas implicações para a estrutura do serviço público e os desafios de uma reforma administrativa que pode reverter avanços conquistados nas últimas décadas.

No artigo “Reforma Administrativa em Marcha à Ré”, publicado no ICL Notícias, Rudinei Marques alerta que o Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados, coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), está ressuscitando, sem transparência e diálogo, aspectos centrais da PEC 32/2020, proposta durante o governo Bolsonaro, que visava reduzir direitos dos servidores, precarizar vínculos e abrir espaço para a privatização de serviços públicos essenciais.

ICL Notícias

Por Rudinei Marques

03 de julho de 2024

Por mais de um século, o Brasil conheceu diversas Reformas Administrativas — de Getúlio Vargas a Fernando Henrique, Lula e Dilma. Reformar a máquina pública não é, por si só, um mal. Pelo contrário: é dever do Estado buscar modernização, eficiência e justiça social. Mas é fundamental compreender o espírito que anima cada proposta. E é exatamente por isso que o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados, sob coordenação do deputado federal Pedro Paulo (PSD/RJ), merece análise atenta.

Entre 2017 e 2022, o discurso da “Reforma Administrativa” foi sequestrado por uma visão fiscalista, reducionista e privatista, cujo pano de fundo era o desmonte do serviço público. A proposta mais acabada dessa visão foi a PEC 32/2020, apresentada pelo governo Bolsonaro e capitaneada pelo então ministro Paulo Guedes. O ministro, na ocasião, não escondia o objetivo: gerar uma “economia gigantesca” às custas dos direitos dos servidores e da qualidade dos serviços prestados à população.

Essa proposta — escrita por tecnocratas avessos ao serviço público — continha dispositivos gravíssimos:

  • Previa a entrega de serviços públicos ao setor privado via “instrumentos de cooperação”, ameaçando os princípios da universalidade e da gratuidade, assim como o controle estatal;
  • Apostava na precarização dos vínculos, com a introdução de vínculos temporários e celetistas de forma indiscriminada;
  • Autorizava a redução da jornada de trabalho com corte proporcional de salários, sem qualquer garantia de manutenção da qualidade do atendimento ao cidadão;
  • Abria caminho ao aparelhamento do Estado, ao permitir que todos os cargos em comissão fossem ocupados por pessoas de fora do serviço público, inclusive em áreas estratégicas e sensíveis, e isso em todos os entes federados;
  • Fragilizava profundamente a previdência dos servidores, pois a criação de novos vínculos precários comprometeria o equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios e mesmo do regime de previdência complementar.

Felizmente, a mobilização das entidades de classe, de parlamentares progressistas e da sociedade civil barrou esse retrocesso. Contudo, o fantasma da PEC 32 volta a assombrar o funcionalismo por meio do novo GT da Reforma Administrativa, agora em curso, sem transparência, com diálogo insuficiente e sem participação efetiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) — órgão que, legitimamente, conduz a política nacional de pessoal.

Nesse sentido, vale observar que, desde 2023, o MGI tem promovido transformações concretas e positivas no serviço público, a saber:

  • O Concurso Nacional Unificado (CPNU) representa um marco na democratização do acesso ao serviço público federal;
  • A nova Lei Geral de Concursos (Lei 14.965/2024) possibilitou a parametrização dos certames e ampliou a segurança jurídica dos concursos;
  • A nova Lei de Cotas no Serviço Público (Lei 15.142/2025), além de fazer reparação histórica, promove a ampliação real da diversidade nos quadros do Estado brasileiro, criando um serviço público mais sensível à pluralidade da sociedade que atende;
  • A Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), criada em 2003, eclipsada de 2017 a 2022, e retomada em 2023, reinseriu a democratização das relações de trabalho na ordem do dia, ao promover a participação ativa dos servidores nas decisões que afetam suas condições de trabalho;
  • Além disso, há avanços concretos na área digital e tecnológica, com iniciativas estruturantes e de longo prazo, como o Decreto 12.198/2024, que institui a Infraestrutura Nacional de Dados, o Decreto 12.069/2024, que atualiza a Estratégia Nacional de Governo Digital, e consolida o compromisso com a desburocratização e o atendimento centrado no cidadão, e o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que articula ações voltadas ao uso ético, responsável e inovador de tecnologias baseadas em IA, com foco em impacto social positivo, transparência algorítmica e melhoria contínua da gestão pública.

Todas essas medidas apontam para uma verdadeira transformação do Estado, feita com responsabilidade, com técnica, com diálogo e compromisso com o interesse público. Trata-se de uma agenda de Estado e não de governo, voltada à inovação, ao controle social, ao planejamento, à soberania digital e à eficiência.

Mas, em vez de fortalecer essa agenda de aperfeiçoamento, o GT liderado por Pedro Paulo elabora, a portas fechadas, um novo texto de Reforma Administrativa, ignorando a agenda positiva implementada pelo MGI, fazendo ouvidos moucos aos servidores e a suas entidades representativas, enquanto acumula propostas vindas de segmentos da indústria, do comércio e do mercado financeiro, muitas vezes mais interessados em prestar, eles próprios, e mediante pagamento, serviços hoje universais e gratuitos prestados à população.

Assim, passadas algumas semanas da instalação do GT da Reforma Administrativa, crescem a desconfiança e a preocupação de que o novo texto não seja tão novo assim, mas somente uma nova roupagem de trechos requentados da malfadada PEC 32.

Vale registrar que essa não é uma discussão corporativa: trata-se da defesa do serviço público como um patrimônio nacional, que atende diariamente milhões de brasileiros em áreas essenciais como saúde, educação, segurança pública, assistência social, meio ambiente e tantas outras.

Diante da opacidade do GT e da suspeita de retrocessos, é preciso alertar os mais de 12 milhões de servidores públicos ativos e aposentados, e aos seus pensionistas, e a toda a sociedade brasileira: a mobilização é urgente! O serviço público brasileiro precisa ser aperfeiçoado, não desmontado. O Parlamento não pode legislar contra o povo que o elegeu. Aperfeiçoar, sim — mas com diálogo, transparência, técnica e compromisso com o Estado democrático de direito e com o avanço civilizatório de que o Brasil tanto precisa.

ICL Notícias – Reforma Administrativa em Marcha à Ré: a Volta da PEC 32