Para Marques, proposta de corte no funcionalismo em meio à pandemia é uma “atitude marqueteira”

“O que a redução representaria nesse período mais crítico é irrisório para o volume de recursos que o governo tem que aportar na economia”, argumentou o presidente do Unacon Sindical

 

Governo e Congresso são pressionados por corte no funcionalismo diante de crise do coronavírus

Pedidos por cortes de gastos partem de centrais sindicais e até mesmo dentro do próprio Congresso

 

BRASÍLIA – Para tentar reduzir as críticas à flexibilização trabalhista no setor privado, o governo e o Congresso são pressionados a adotarem medidas que também reduzam benesses e salários do funcionalismo público e de cargos eletivos durante a crise causada pelo coronavírus.

 

Os pedidos por cortes de gastos nessas áreas partem de centrais sindicais e até mesmo dentro do próprio Congresso.

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defende a aprovação da proposta que permite diminuição da jornada de trabalho do servidor em 25%, com corte proporcional de salário.

 

Isso está previsto na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, enviada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), no ano passado, para acionar gatilhos de ajuste nas contas públicas em momentos de desequilíbrio fiscal.

 

Apesar de saber que o impacto da medida é baixo diante dos recursos necessários para combater o vírus, socorrer empresas, trabalhadores formais e informais do setor privado, Maia acredita ainda que três os Poderes devem cortar despesas. É, portanto, uma forma de que todos tenham sua “cota de sacrifício” na crise.

 

A ideia é criticada por membros do Judiciário e do Ministério Público.

 

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, expressou a pessoas próximas não ver a proposta com bons olhos e conversou com Maia a respeito. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também avaliou em conversas ser reticente.

 

Com o argumento de suavizar os efeitos do coronavírus na economia, o governo sugere uma medida nesse mesmo sentido para trabalhadores da iniciativa privada —só que mais dura.

 

A ideia da equipe econômica é que patrões possam reduzir a carga horária de trabalho em até 50%, com corte proporcional nos salários. Para setores mais afetados pela crise, a margem pode ser ainda maior, chegando a 67%.

 

O governo, nesse modelo em estudo, iria recompor uma parte da diminuição de renda do trabalhador. O objetivo, segundo o Ministério da Economia, é tentar evitar demissões em massa.

 

Hoje, o Executivo conta com 604 mil servidores públicos federais na ativa, que têm estabilidade no cargo.

 

“Por que não se pensa nos altos salários do serviço público? A maior parte dos servidores ganha pouco, mas tem uma elite que ganha muito. No Judiciário, por exemplo, tem gente recebendo acima do teto [constitucional, de R$ 39,2 mil por mês]”, afirma o presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah.

 

O presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, considera a proposta de corte no funcionalismo uma “atitude marqueteira”. O Fórum reúne 31 sindicatos e associações e representa cerca de 200 mil funcionários públicos.

 

​“O que a redução representaria nesse período mais crítico é irrisório para o volume de recursos que o governo tem que aportar na economia”, argumentou.

 

Ao apresentar medidas que flexibilizam regras trabalhistas no setor privado, o time de Guedes tem se esquivado de perguntas sobre ações paralelas no funcionalismo público.

 

Técnicos, porém, lembram que o governo já apresentou a PEC Emergencial, parada no Senado.

 

O relator da PEC, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), quer criar exceções ao gatilho de corte de jornada e de remuneração, poupando servidores que ganham até três salários mínimos (R$ 3.135) e profissionais de algumas áreas, como saúde, educação e segurança pública.

 

Mas, no Congresso, onde o lobby do funcionalismo público é um dos mais fortes, defende-se o discurso de que a redução de salários destes trabalhadores vai prejudicar ainda mais a economia, já que eles perderão poder de compra.

 

Além do mais, a crise da Covid-19 afastou parlamentares de Brasília e paralisou o trabalho de comissões. A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que se reuniria presencialmente nesta semana justamente para fazer a PEC andar, não vai mais ter sessão por falta de quórum.

 

Apesar de Câmara e Senado terem aprovado sessões remotas para este período de coronavírus, não é possível fazer a distância sessões que não sejam para votação. Na CCJ, haveria apenas a apresentação do relatório da PEC.

 

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o servidores já foram fortemente atingidos pela reforma da Previdência. “Não vejo como fazer mais sacrifício”, disse. Ele defende a elevação de impostos para banqueiros e rentistas.

 

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), admite que, à medida que se penalizar a iniciativa privada, será cobrada uma cota de sacrifício da área pública, a começar pelos salários de parlamentares.

“A pressão popular vai ser neste sentido. A mesma cota de sacrifício que está se pedindo ao cidadão vai se pedir proporcionalmente à administração pública”, diz Olímpio.

 

Deputados de diferentes partidos tentam emplacar um discurso moralizante de redução salarial na Casa ou em todos os Poderes e usam redes sociais para divulgar os projetos apresentados. A ideia é criticada por líderes de partidos de centro.

 

Sobre os cortes no Judiciário, ministros do Supremo dizem que se a medida for “pura demagogia”. Para eles, deveria ser comprovada a necessidade da redução.

 

Em outros tribunais, ministros apontam que a produtividade dos magistrados não cai durante a crise, seria então uma redução salarial com a manutenção da mesma carga de trabalho.

 

Numa estratégia de embaralhar as discussões, categorias de servidores públicos, então, estudam defender que os parlamentares abram mão de recursos do fundo partidário e eleitoral, destinando o dinheiro para ações de combate ao coronavírus.

 

Fonte: Folha de S.Paulo