Portal publica artigo de advogados do escritório Torreão Braz sobre as Carreiras Estado

“Embora de uso corrente, o termo tem sua origem e fundamentos pouco abordados”. Trabalho apresenta algumas propostas para a exata compreensão da expressão Carreira Típica de Estado. Leia na íntegra

 

 

Carreiras Típicas de Estado

por João Pereira Monteiro Neto e Vitor Candido Soares*

 

A expressão “Carreira Típica de Estado”, embora de uso corrente, tem sua origem e fundamentos pouco abordados, o que lhe pode embaraçar a exata compreensão conceitual.

 

O presente trabalho apresenta, em linhas breves, algumas propostas para o tema.

 

A “função” pública lato sensu resume-se ao conjunto de atribuições e de responsabilidades legais imputado aos servidores, efetivos ou temporários, investidos em cargos na forma da Constituição Federal (art. 37) e da legislação administrativa.

 

“Carreira Típica de Estado” constitui expressão corrente, no direito administrativo e constitucional brasileiro, para designar as carreiras cujas atribuições e responsabilidades vinculem-se a “atividades exclusivas de Estado”, a exemplo do que dispõe o art. 247 da Constituição Federal, incluído pela emenda constitucional 19/98, conhecida como “Reforma Administrativa” ou “Reforma do Estado”.

 

Trata-se de terminologia que historicamente está associada à exigência de concurso público e de fixação do então regime estatutário (lei 1.711/52) aos exercentes de “atividades inerentes ao Estado como Poder Público sem correspondência do setor privado”, nos termos dos arts. 2º e 3º da lei 6.185/74:

 

Art. 2º Para as atividades inerentes ao Estado como Poder Público sem correspondência no setor privado, compreendidas nas áreas de Segurança Pública, Diplomacia, Tributação, Arrecadação e Fiscalização de Tributos Federais e Contribuições Previdenciárias, Procurador da Fazenda Nacional, Controle Interno, e no Ministério Público, só se nomearão servidores cujos deveres, direitos e obrigações sejam os definidos em Estatuto próprio, na forma do art. 109 da Constituição Federal.

 

Art 3º Para as atividades não compreendidas no artigo precedente só se admitirão servidores regidos pela legislação trabalhista, sem os direitos de greve e sindicalização, aplicando-se-lhes as normas que disciplinam o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

 

Logo, o marco inicial da ideia albergada pelas hoje denominadas “Carreiras Típicas de Estado” não está identificado propriamente na doutrina jurídica, mas no próprio marco normativo de 1974.

 

Embora haja farta doutrina administrativista que adota expressamente o termo, a existência de “atividades inerentes ao Estado como Poder Público sem correspondência do setor privado” corresponde a um critério de distinção entre Carreiras Públicas que tem fundamento, portanto, em disposição legal.

 

Sob a hipótese da garantia especial reportada pelo dispositivo constitucional (art. 247), a exposição de motivos da emenda constitucional 19/98 (Reforma Administrativa) é inequívoca em consignar que os servidores que “desenvolvam atividades exclusivas de Estado, conforme vierem a ser definidas pela legislação”, devem receber tratamento singular inclusive quanto aos pressupostos para a perda do cargo público:

 

Ficou expressamente ressalvada, entretanto, a aplicação dos dispositivos relativos à perda do cargo por necessidade administrativa no caso dos servidores estáveis ocupantes de cargo efetivo, que desenvolvam atividades exclusivas de Estado, conforme vierem a ser definidas na legislação.

 

O instituto da disponibilidade remunerada foi revisto, prevendo-se expressamente a percepção de remuneração proporcional ao tempo de serviço, até o reaproveitamento do servidor em cargo de mesma natureza atributiva. A readequação proposta visa reforçar a sua viabilidade como instrumento destinado a facilitar processos de reorganização administrativa, podendo ser empregado alternativamente ao desligamento do servidor. (Exposição de Motivos Interministerial n. 49, de 18 de agosto de 1995)

 

Não obstante, até hoje, a norma legal remetida pelo art. 247 da Constituição Federal, que definiria textualmente as denominadas “atividades exclusivas de Estado”, ainda não foi editada pelo Congresso Nacional. O projeto de lei (PL) 3.351/12 (arquivado), com esse escopo, propunha a seguinte definição de lege ferenda (art. 2º):

 

Art. 2º São consideradas atividades exclusivas de Estado:

 

I – no âmbito do Poder Legislativo, as relacionadas à atividade-fim de produção e consultoria legislativa;

 

II – as relacionadas à atividade-fim dos Tribunais e Conselhos de Contas;

 

III – no âmbito do Poder Judiciário, as exercidas pelos integrantes das carreiras jurídicas de magistrado e as relacionadas à atividade-fim dos tribunais;

 

IV – no âmbito das funções essenciais à justiça, as exercidas pelos membros do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública, e as relacionadas às suas atividades-fim; e

 

V – no âmbito do Poder Executivo, as exercidas pelos militares, policiais federais, policiais rodoviários e ferroviários federais, policiais civis, guardas municipais, membros da carreira diplomática e fiscais de tributos, e as relacionadas às atividades-fim de fiscalização e arrecadação tributária, previdenciária e do trabalho, controle interno, planejamento e orçamento, gestão governamental, comércio exterior, política monetária nacional, supervisão do sistema financeiro nacional e oficiais de inteligência.

 

Já o art. 4º, III, da lei 11.079/04 (Lei das Parcerias Público-Privadas – LPPPs), embora não regulamente especificamente o art. 247 da Constituição Federal, contém disposição importante acerca da “indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”.

 

A mera falta de conceito legal, dada a ausência de norma infraconstitucional, não afasta a ideia intrínseca nem a efetiva qualificação, no ordenamento jurídico brasileiro (v.g., art. 247 da CF e art. 4º, III, da LPPPs), das denominadas Carreiras Típicas de Estado.

 

Com efeito, a definição corrente aceita para delimitar as denominadas Carreiras Típicas de Estado é aquela trazida pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado:

 

As Carreiras Típicas de Estado são aquelas que exercem atribuições relacionadas à expressão do Poder Estatal, não possuindo, portanto, correspondência no setor privado. Integram o núcleo estratégico do Estado, requerendo, por isso, maior capacitação e responsabilidade. Estão previstas no artigo 247 da Constituição Federal e no artigo 4º, inciso III, da Lei nº 11.079, de 2004.

 

As carreiras consideradas típicas de Estado são as relacionadas às atividades de Fiscalização Agropecuária, Tributária e de Relação de Trabalho, Arrecadação, Finanças e Controle, Gestão Pública, Comércio Exterior, Segurança Pública, Diplomacia, Advocacia Pública, Defensoria Pública, Regulação, Política Monetária, Inteligência de Estado, Planejamento e Orçamento Federal, Magistratura e o Ministério Público. (Disponível em: Clique aqui Acesso em: 31.3.20)

 

A tipicidade dessas carreiras está relacionada à exclusividade das atividades desempenhadas pelos respectivos agentes estatais, o que implica a desautorização de seu exercício por pessoas privadas.

 

Costuma-se mencionar que os agentes públicos integrantes de Carreiras Típicas de Estado desempenham atividades relativas à “essência” do poder estatal, mas, na realidade, sendo essa noção demasiadamente aberta ou subjetiva, os aspectos que melhor definem os respectivos cargos são o tipo de vínculo e a finalidade do múnus público.

 

Logo, há um perfil teleológico no rol de responsabilidades, atribuições e funções inerentes às denominadas Carreiras Típicas de Estado, cuja principal caraterística é a exclusividade ou a tipicidade.

 

Em outras palavras, caso as atividades exercidas pelos servidores públicos integrantes de Carreiras Típicas de Estado fossem realizadas por agentes privados, haveria o desvirtuamento das próprias atividades, que deixariam de atender às finalidades públicas visadas.

 

Eis o critério fundamental para distinguir uma atividade típica de Estado de uma atividade não exclusivamente estatal.

 

Por esse motivo, costumam-se identificar como “típicas de Estados” as atividades-fim que permitam o funcionamento institucional dos Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) e das Funções Essenciais previstas na Constituição Federal, como o Ministério Público (art. 127), a Defensoria Pública (art. 134), as Forças Militares (art. 142) e Policiais (art. 144), o Controle Interno (art. 70), dentre outras.

 

Esse é o entendimento também emergente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao utilizar a expressão “carreiras típicas de Estado” (por todos, cf. ADI 3.043/MG, Rel. min. Eros Grau, j. 26.4.2006, DJ 27.10.06).

 

Em síntese, diz-se que tais atividades – exclusivas/típicas – integram o núcleo estratégico do Estado e esse é o parâmetro máximo para a respectiva delimitação conceitual, além dos demais caracteres apontados, especialmente quanto à indelegabilidade e à institucionalidade das funções.

 

 

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* João Pereira Monteiro Neto é mestre (USP) e especialista (IDP) em Direito Processual Civil. Membro do escritório Torreão Braz Advogados.

 

* Vitor Candido Soares é graduado em Direito pelo UniCEUB. Membro do escritório Torreão Braz Advogados.

 

Fonte: Migalhas