Fim da estabilidade gera embate entre servidores públicos e governo

Categorias lançarão mão de estratégias para barrar medida prevista na PEC da reforma administrativa, que muda as regras do RH do país

Principal mudança proposta pela reforma administrativa, o fim da estabilidade no serviço público já provoca um embate entre o funcionalismo e o governo. O texto da equipe econômica da União prevê a permanência vitalícia no cargo somente para um tipo de vínculo: as carreiras típicas de Estado — que só podem ser exercidas na administração pública —, como mostra o infográfico acima. Mas todas as categorias já se organizam para evitar que esse item seja aprovado.

Para isso, pensam em estratégias como a mudança de narrativa sobre os servidores e até campanha televisiva para um alcance maior desse discurso. O argumento preponderante é que a estabilidade protege o funcionário público de ações arbitrárias de governantes, garantindo o cumprimento da Constituição apesar de pressões políticas.

“Consideramos a estabilidade inegociável. O fim dessa garantia é um golpe muito duro na estrutura do serviço público brasileiro. A estabilidade é uma conquista da democracia, até porque ainda vivemos em um país patrimonialista”, defende o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, deputado federal Israel Batista (PV-DF).

Presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques ressalta que a entidade lutará pela estabilidade de todo o funcionalismo, e não só de uma parte.

“A questão da estabilidade é defendida até por parlamentares a favor da reforma. O Brasil não superou o patrimonialismo, e para evitar isso só com estabilidade, para o servidor exercer sua função sem medo de perseguição”.

Apadrinhamentos prejudicam serviços

Em conjunto com o funcionalismo, a frente parlamentar tem divulgado estudos que contrapõem dados divulgados pelo Executivo federal. Além disso, ressalta um discurso: de que há mais falhas na prestação do serviço público em locais onde é mais comum o apadrinhamento — com mais servidores comissionados do que concursados.

“O governo diz que a prestação do serviço público é ruim, e faz um diagnóstico correto na ponta, no atendimento direto ao cidadão, mas justamente em locais onde há apadrinhamentos. É algo comum em municípios, onde há muitos servidores comissionados apadrinhados, e onde não existe um serviço público profissionalizado”, diz Israel Batista.

Ele acrescenta que, assim, o governo se equivoca: “Então o governo diz que há má prestação do serviço público e que o fim da estabilidade é a solução para melhorá-lo. Mas é justamente o contrário: onde você tem estabilidade, o serviço público é melhor”.

Para o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, integrantes do governo federal e também de estados e municípios têm levado à população uma ideia contrária dos servidores, como se fossem “vilões” do setor, quando é o contrário. Silva diz ainda que a reforma abre caminho para a precarização do setor e “uma volta ao passado”. “Não querem dar ênfase aos concursados. Querem aprofundar terceirizações”, critica

Proposta não melhora eficiênciaAo analisar a PEC, a advogada e professora de Direito Administrativo Ana Luiza Calil pondera que, apesar de integrantes do Ministério da Economia e defensores da reforma defenderem que o objetivo é proporcionar mais eficiência, o texto é “confuso” e não trabalha pontos que poderiam de fato aprimorar o setor.

“Avalio que o que está sendo proposto é confuso, não muda efetivamente o sistema atual, por conta da subdivisão de carreiras não trazer grandes novidades em relação às divisões que a gente tem hoje. E a justificativa por trás da flexibilização da estabilidade, que á a melhor eficiência do serviço público, não será alcançada com isso”, observa.

A especialista considera que o fim da estabilidade não representa mais eficiência, e que extingui-la acabará criando conflitos dentro do próprio funcionalismo — entre grupos antigos com essa garantia e os novos, sem esse direito.

“É um risco para a sociedade, porque deixa o servidor muito mais sujeito a pressões não só de gestores, mas externas, da própria iniciativa privada”, analisa Calil, citando, por exemplo, que aqueles que exercem atividades como as de fiscais de Vigilância Sanitária e do Ibama ficariam mais expostos.

A advogada ressalta ainda que os servidores precisarão de estímulos na função que exercem, e que o setor deveria se preparar para oferecer isso. “Em vez de pensar no fim da estabilidade, por que não começar pensando na melhoria da avaliação periódica?”, sugere.