Governo muda as regras de cartões para coibir abusos

          Depois de três ministros terem usado irregularmente o cartão corporativo e da ameaça da oposição de instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), o governo anunciou ontem medidas para aperfeiçoar o seu uso e tentar evitar abusos. O objetivo das medidas é limitar saques de dinheiro.
          Ao mesmo tempo em que impõe limites na maneira de usar o cartão, o governo quer ampliar a utilização do mesmo e acabar com as chamadas contas “tipo B”, quando o servidor recebe um dinheiro, o deposita em uma conta e paga as despesas com cheques, para depois apresentar nota dos gastos. A prática é pouco transparente e difícil de fiscalização, segundo o governo. O novo decreto deve ser assinado hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
          Os ministros Paulo Bernardo (Planejamento) e Jorge Hage (Controladoria Geral da União), responsáveis por apresentar as novas medidas, negaram que elas sejam uma resposta às irregularidades cometidas por ministros. Orlando Silva (Esporte) usou o cartão em uma tapiocaria em Brasília, enquanto Altemir Gregolin (Pesca) pagou despesa (de R$ 512,60) em uma churrascaria, também na capital federal. Já Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) fez compras em um free shop. Matilde e Silva alegam que houve engano e já devolveram o dinheiro. Gregolin admitiu que poderá devolver o valor.
          Paulo Bernardo reagiu à criação de uma CPI para investigar as irregularidades, embora tenha ressaltado que a decisão caberá ao Congresso. “Não dá para criar uma CPI da tapioca e chamar um ministro para que explique por que gastou R$ 8,30 em uma tapiocaria.”
Segundo Hage, as medidas estavam sendo estudadas há alguns meses. “Queremos chegar a 100% do uso do cartão [em todo o governo], e acabar com a conta “tipo B'”, disse. O cartão, afirmou, é mais transparente e fácil de fiscalizar.
          Segundo a CGU, foram gastos em 2007 R$ 78 milhões com os cartões. O Portal da Transparência, do mesmo órgão, informa um gasto de R$ 75,6 mi -enquanto a conta “tipo B” chegou a R$ 99,5 milhões.
Entre as medidas anunciadas está a que vai limitar os saques de dinheiro em espécie -à exceção dos órgãos ligados à Presidência da República, à Polícia Federal, aos escritórios do Itamaraty no exterior e às pastas da Fazenda e Saúde, considerados estratégicos.
          Caso um ministério precise, ele poderá, se autorizado, sacar em dinheiro até 30% do total gasto -se for R$ 100 mil, por exemplo, o saque não pode exceder R$ 30 mil. Hoje não há limitação. “A idéia é reduzir ao mínimo os saques”, disse Hage.
          O novo decreto proíbe a compra de passagens aéreas e o pagamento de diárias a servidores em viagem, presente na atual legislação. Esses gastos de servidores sairão do orçamento dos ministérios. Pela regra anterior, em casos emergenciais o cartão podia ser utilizado.
          Os ministros, contudo, continuarão a usar o cartão para despesas em viagens. No futuro, o governo pretende “estudar a revisão” do pagamento das despesas com alimentação, hospedagem e transporte dos ministros com o cartão corporativo.
          “Não pode gastar com nada que não seja de interesse público”, disse Jorge Hage. “Bom senso é o pressuposto de qualquer autoridade.” Ele defendeu a criação de diárias para ministros em viagens pelo país, como ocorre no exterior, para que não seja necessário usar cartão.
          Indagado sobre a falta de clareza do decreto, que não explica, item por item, o que é ou não permitido gastar como cartão, Bernardo afirmou que fazer isso seria “ridículo”. Ele também não soube precisar quantos novos cartões serão emitidos, em substituição às contas “tipo B”. “Ainda não contei”, ironizou.
          Os dois ministros evitaram comentar os gastos dos colegas. “Vai se aplicar a lei”, disse Bernardo. Já Hage evitou comentar por que os gastos irregulares serão apurados pela CGU.