Economia frustrada

Apesar da reforma da Previdência feita em dezembro de 2003, que instituiu a taxação dos inativos e determinou o fim das aposentadorias integrais, milhares de novos servidores públicos ainda terão direito a receber da União, pelo resto da vida, um benefício igual ao seu salário da ativa, quando pararem de trabalhar. São pessoas que ingressaram no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional nº 41, mas antes da criação do fundo de previdência complementar do servidor, previsto na reforma, que até hoje não saiu do papel. Por essa porta ainda aberta na legislação já entraram pelo menos 157,1 mil servidores. São pessoas aprovadas em concursos públicos dos três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — de 2004 a 2007. Por mês, a média é de quase 3,3 mil contratações.

No futuro, o fundo de pensão dos servidores será responsável por complementar a aposentadoria de quem recebe acima de R$ 3.038,99, mesmo teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aos aposentados da iniciativa privada. Até esse valor, o pagamento continua a cargo do Regime de Previdência do Servidor (RPPS). A mudança deverá aliviar os cofres do Tesouro Nacional, de onde saem os recursos para tapar um rombo que a cada ano supera os R$ 45 bilhões.

Pela nova regra, o servidor terá dois tipos de contribuição previdenciária. A primeira, com alíquota de 11%, incidirá sobre seus vencimentos até o teto de R$ 3 mil. A segunda será de 7,5% sobre o que exceder esse teto. Para essa contribuição complementar, haverá contrapartida da União, limitada a 7,5% — o servidor pode optar por desembolsar um percentual maior (veja quadro).

Apesar da importância da mudança, que em um prazo de 30 a 40 anos poderia zerar o déficit da previdência pública, o projeto de lei que prevê a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) só foi enviado ao Congresso em setembro de 2007, quase quatro anos após a promulgação da reforma. De lá para cá, já se passaram seis meses e a proposta pouco andou na Câmara. O relator do projeto na Comissão de Trabalho, deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), acredita que dificilmente a criação do fundo seja votada em plenário nos próximos dois anos. Como 2010 tem eleição presidencial, a tendência é que a tarefa de aprovar o projeto fique para o próximo presidente.

Respaldo
A proposta encontra respaldo entre os especialistas. José Roberto Savóia, professor da Universidade de São Paulo (USP) se mostra preocupado com a demora na aprovação do projeto. Segundo ele, a nova regra deveria ser aplicada a todos os servidores que ingressaram na carreira de Estado após a promulgação da Emenda 41 e não como prevê o projeto enviado ao Congresso. “Essa questão pode abrir brechas para questionamentos judiciais”, afirma.

No entanto, na avaliação do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Daniel Pulino, o projeto não poderia tornar obrigatória a adesão para quem já é servidor público, mesmo que tenha sido aprovado em concurso após a Emenda 41. “Não basta a aprovação da lei pelo Congresso, mas sim o funcionamento pleno do fundo de pensão. E se o servidor morresse nesse meio tempo (entre a aprovação da lei e a criação da Funpresp)? Seu dependente ficaria sem pensão?”, questiona.

No que depender dos servidores públicos, a tramitação do projeto de lei será ainda mais lenta. Depois de concluir negociação salarial com o governo e conseguir reajuste para cerca de 800 mil servidores, os representantes da categoria pretendem dar especial atenção ao assunto. “Vamos nos encontrar com o relator e tentar reunir todos os sindicatos em um movimento conjunto para derrubar essa proposta do governo”, afirmou o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Josemilton Costa. “Fundo de pensão é uma forma disfarçada de privatizar a previdência pública”, critica.

Fique por dentro

Os principais pontos previstos no projeto de lei que cria o fundo de pensão dos servidores públicos

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QUEM JÁ É SERVIDOR
O servidor concursado terá 180 dias, após a entrada em funcionamento do fundo, para decidir se migra para a previdência complementar ou se permanece no atual sistema. Neste caso, se aposenta pelas regras atuais, onde a aposentadoria é calculada com base na média dos 80% maiores salários desde 1994.

Como será a aposentadoria de quem aderir ao fundo?
O servidor receberá de três fontes distintas. Até R$ 3.038,99, o pagamento continua sob responsabilidade da União. Sobre o que exceder o teto, haverá duas fontes. Exemplo: um servidor homem (precisa contribuir pelo menos 35 anos para se aposentar) que tenha contribuído por 12 anos para o RPPS, sobre um salário de R$ 5 mil, receberá do RPPS 12/35 sobre os R$ 1.961,01 que excederem o teto. Os demais 23/35 serão pagos pelo fundo de pensão.

FUTUROS SERVIDORES
O servidor que for aprovado em concurso após a entrada em funcionamento do fundo está automaticamente enquadrado na previdência complementar, que será facultativa. Quem optar por não entrar na Funpresp terá direito a uma aposentadoria equivalente ao teto (R$ 3.038,99 em valores de hoje).

Como será a aposentadoria?
Serão apenas duas fontes de renda: R$ 3.038,99 do RPPS, mais o benefício referente aos recursos que tiver acumulado no fundo de pensão.

A aposentadoria complementar trará ganho de renda para quem ingressar no Funpresp?
Não. A idéia do governo é manter os mesmos valores médios pagos hoje. Pelos cálculos do governo, um servidor que se aposentar pelas novas regras ganhará entre 92% e 102% do que receberia se estivesse nas regras antigas.

De quanto será a contribuição?
Haverá uma alíquota de 11% sobre R$ 3.038,99 e outra de 7,5% sobre o que exceder o teto. Para cada real destinado ao fundo de pensão, a União pagará uma contrapartida igual, até o limite de 7,5%. O servidor poderá contribuir com mais, mas a contrapartida do empregador é limitada em 7,5%.

Haverá um teto para as aposentadorias pagas pelo fundo?
Sim. Os benefícios não poderão ultrapassar o teto pago hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que é de R$ 24,5 mil.


Memória
Reforma pela metade

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Responsável por um déficit bilionário — R$ 46,5 bilhões, segundo os últimos dados disponíveis, referentes ao ano de 2006 —, o sistema previdenciário dos servidores públicos federais passou por uma profunda reformulação no primeiro ano do governo Lula, em 2003. Apesar da forte pressão exercida pelos funcionários públicos, categoria com forte presença na base eleitoral do PT, o Executivo conseguiu aprovar no Congresso um projeto polêmico. A principal mudança foi a instituição da taxação dos inativos, que passaram a pagar 11% sobre o valor de seus benefícios.

Mas a Emenda Constitucional nº 41 só passou a valer no final daquele ano, depois de um longo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, os ministros optaram pela constitucionalidade da reforma. Além de taxar quem já está aposentado, a reforma alterou os critérios para concessão das aposentadorias, ao instituir idade mínima de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres e modificar os prazos de carência para cálculo do valor dos benefícios.

Outra mudança foi a criação do abono de permanência, pago ao servidor que, mesmo já tendo condições para se aposentar, opta por continuar trabalhando. Na prática, ele deixa de contribuir com 11% do salário para o regime de previdência. A reforma previu ainda a criação da previdência complementar dos servidores públicos federais. No entanto, já se passaram mais de quatro anos e o fundo de pensão ainda não saiu do papel. Enquanto isso, o alívio nas contas da previdência pública ainda continua restrito às mudanças já colocadas em prática, suficientes apenas para estabilizar o déficit. –> –> –> –>