R$ 1.058 só para carregar mala

Casquinhas de siri, bobós de camarão, meia-calça, tintura para cabelo, absorventes, multas de trânsito de carros particulares, persianas de quitinetes residenciais. O Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe) costumava cobrir todo tipo de despesas pessoais de alguns funcionários e prestadores de serviços da instituição vinculada à Universidade de Brasília (UnB). Muitas vezes, tais gastos nem eram comprovados.

A constatação é de auditores da Controladoria-Geral da União (CGU). Eles passaram um ano examinando documentos do Centro, órgão público que é o maior organizador e executor de concursos do país. O relatório da auditoria, divulgado pelo Correio desde a última sexta-feira, aponta irregularidades no reembolso de gastos que os funcionários alegaram ter, mas que nunca foram comprovados ou não tinham nenhuma relação com o trabalho que realizavam.

Em uma análise por amostragem — sem conferir toda a contabilidade — os técnicos da CGU identificaram pagamentos feitos aos funcionários do Cespe referentes a contas de telefones celulares, refeições oferecidas pelo gabinete da reitoria da UnB, compras de aparelhos eletrodomésticos e até pagamento de infrações de trânsito (veja quadro). Pelo menos R$ 23 mil foram gastos irregularmente pelo Cespe com reembolsos feitos a prestadores de serviços contratados de 1996 a 2005.

Multa e persianas
Todos os reembolsos foram autorizados pelos diretores do Cespe na época. Alguns deles se basearam em notas fiscais apresentadas, mesmo que incompatíveis com as atividades da instituição. Mas há uma parcela expressiva de reembolsos pagos sem o funcionário nem sequer explicar como gastou o dinheiro. Uma funcionária, por exemplo, recebeu o reembolso de R$ 1.058 referente a, segundo ela, gastos com carregadores de malas em uma viagem, mas não apresentou comprovante da despesa.

Outro servidor, que participava de uma “atividade de extensão”, gastou R$ 300 com excesso de bagagem, mas não comprovou o que trazia a mais na mala. Não informou sequer se eram equipamentos ou produtos de atividade ligada ao Cespe.

O relatório destaca ainda um reembolso de pagamento de multa de trânsito recebida por um funcionário em 2003. A infração foi cometida por um Santana, carro particular, não usado nem alugado pelo Cespe. A infração custou aos cofres públicos R$ 574,61. Outro funcionário, um morador do Sudoeste, decidiu pedir R$ 440 para comprar e instalar persianas horizontais na quitinete dele. O Cespe pagou a fatura da empresa de decoração.

Diversos funcionários conseguiram que o órgão pagasse contas dos telefones celulares deles, mesmo sem um detalhamento de quais ligações haviam sido feitas a trabalho. Uma conta de R$ 882,67 paga por uma pessoa que não fazia parte dos quadros do Cespe foi reembolsada a um servidor da UnB. A própria ex-diretora, Romilda Guimarães Macarini, usou dinheiro público para pagar uma fatura de celular no valor de R$ 354.

Superfaturamento
Além de não terem qualquer relação com o tipo de serviço prestado pelo Cespe, há indícios de superfaturamento nas notas apresentadas. Uma delas, por exemplo, lista a compra de um absorvente básico, que custou R$ 32 — nas farmácias, esse produto é vendido de R$ 2 a R$ 3. A mesma nota, no valor de R$ 2.921,72, especifica a compra de chicletes e chocolates, a R$ 456, bombons que teriam custado R$ 310 e cereais e pirulitos no valor de R$ 143,24.

Na conclusão do relatório, feito a pedido do Ministério Público Federal, os auditores da CGU ressaltam que “a conduta dos envolvidos, tanto os dirigentes quanto os que se beneficiaram dos pagamentos ilegais, é incompatível com os princípios da legalidade, impessoabilidade e moralidade”.

A prática de reembolso foi extinta no Cespe, garante o atual diretor-geral da instituição, Joaquim Soares Neto. Segundo ele, antes de elaborar qualquer concurso, o órgão faz um planejamento, lista todos os produtos que precisará e faz uma licitação para escolher uma empresa fornecedora. Funcionários que precisam viajar recebem uma diária e não mais apresentam notas para serem reembolsadas. “O dinheiro é depositado com antecedência na conta do servidor. Seguimos uma tabela estabelecida para todo o serviço público”, explicou.

Desde a última terça-feira, a equipe do Correio tenta entrevistar a ex-diretora Romilda Guimarães Macarini, que autorizou os reembolsos suspeitos feitos para os prestadores de serviço. Diversos recados foram deixados na casa dela, mas ela não retornou nenhuma das ligações.

REEMBOLSOS SUSPEITOS
Algumas despesas pessoais de funcionários do Cespe pagas pela instituição
Multa de trânsito de carro particular de um funcionário do Cespe(pagamento autorizado por Romilda Macarini) R$ 574,61

Compra de aparelhos celulares destinados a funcionários do núcleo administrativo da UnB R$ 1.027

Venda e instalação de persiana horizontal para quitinete na Quadra 301 do Sudoeste R$ 440

Café-da-manhã oferecido no gabinete da Reitoria da UnB R$ 350

Pagamento de mão-de-obra de carregadores de malotes em viagem feita por funcionária do Cespe (sem comprovante da despesa) R$ 1.058

Excesso de bagagem de um servidor que participava de atividade de extensão (sem comprovante) R$ 300

Despesa com lanche para a equipe de aplicação de prova (sem comprovante) R$ 570

Confecção, transporte e serviço de lanche (sem comprovante) R$ 900

Compra de microgravador, gravador, tapetes e aparelhos de CD (comprovada com nota fiscal sem validade) R$ 2.110

Compra de freezer e fogão para funcionária que participava de atividade de extensão R$ 2.269 –> –> –>

Fonte: Relatório de Ação de Controle da Controladoria-Geral da União