Conferência: Palestrantes debatem sobre os diferentes tipos de sistema de controle

      Durante o painel “O Controle das Carreiras Típicas de Estado”,  a professora titular da USP, Odelte Medauar, ressaltou que a Declaração do Homem e do Cidadão, em seu Art. 15º determina que “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”. Ela entende que o sistema de controle está diretamente ligado à democracia, no sentido do exercício do poder estatal. Para Medauar, o tema não deve ser tratado isoladamente, pois envolve a discussão sobre a corrupção, e ainda tem um vínculo com o exercício de uma Administração Pública eficiente, uma vez que, segundo a professora, esse controle vai incidir de alguma maneira sobre o poder estatal e as carreiras de Estado.

      Partindo de uma concepção técnica, ela explicou que, dentro da Administração Pública, por exemplo, há um agente controlador e o órgão controlado, e que a ação de controle vai ocorrer a partir de uma providência, uma medida que, não necessariamente, será tomada pelo controlador, mas que será oriunda da ação do controle. Isso, segundo ela, pode ser classificado como controle institucionalizado ou formal. Ela lembrou que existem ainda os chamados controles sociais que, geralmente, são exercidos pela imprensa, nas suas diferentes manifestações; pelo próprio cidadão, e também pelas entidades que acompanham a atuação do Estado. Os chamados controles sociais diferem do formal porque não se inserem como componentes institucionalizados do controle sobre o poder público. “O papel principal dos controles sociais seria o de desencadear a atuação dos controles institucionalizados para chamar a atenção sobre sua atuação”, afirmou Medauar.

      A professora também explicou que existem variadas formas de controle, que pode ser interno, quando realizado pelo próprio órgão, ou externo, quando é executado por outro órgão ou poder, como, por exemplo, pelo Judiciário ou Ministério Público. Segundo ela, “teoricamente, não há como fugir desse tipo de controle se ele for efetivado”.

      Com relação aos controles incidentes sobre as Carreiras Típicas de Estado, a palestrante disse que, dentro do controle interno, existe o chamado controle hierárquico, no qual o superior tem o poder de concordar ou não com as sugestões ou decisões de seu subordinado.

      “Muitas vezes, a chefia discordava das minhas manifestações, mas isso não era motivo para que eu me sentisse ofendida”, declarou a professora, ao afirmar que esse é um tipo de sistema de controle bastante sensível. Ela defende que o superior deve levar em consideração a atuação de seus subordinados; no entanto, entende também que nem sempre o fato de o chefe ser contrário a alguma ação quer dizer que ele está sendo grosseiro.

      Segundo ela, no controle hierárquico não há como se sentir coibido simplesmente porque o superior baixou uma instrução ou diretriz optando por uma determinada linha de conduta dentro do órgão. Mesmo assim, ela defende sempre o diálogo entre ambas as partes de forma que tudo fique bem esclarecido. A professora disse que o subordinado pode até manifestar o seu desconforto a respeito de determinada decisão, mas tem que ser de forma moderada, para não causar outras impressões, como a de que, na verdade, não quer trabalhar.

Diferença dos sistemas de controle 

 


      Para o professor da PUC/SP, Carlos Ari Sundfeld, há no Brasil uma grande confusão sobre a ideia de controle da Administração Pública. E essa confusão decorre, em grande parte, do fato de não se distinguir o verdadeiro sentido que a palavra controle pode ter. Segundo ele, quando se fala em controle, podemos estar falando de indução de comportamento. “O sistema de controle é para induzir as autoridades e os gestores, e adotar modelos que já estão predefinidos”, afirmou.

      Nos últimos tempos, de acordo com o professor, tem-se trabalhado muito no Brasil com o sistema de indução de comportamentos predefinidos. Segundo ele, existem várias maneiras de se induzir o comportamento dos agentes públicos por meio de controle. Entre elas, está a adoção do sistema de incentivos, que muitas vezes podem ser positivos ou negativos, conforme salientou.

      Como sistema de incentivo positivo ele citou a promoção por merecimento, com a adoção de padrões desejáveis. “Se eu quero que o servidor siga corretamente as orientações, eu posso dar promoção para aqueles que a cumprirem”, justificou Sundfeld que, por outro lado, considerou a promoção por antiguidade como negativa. Para ele, essa promoção estimula apenas a permanência por longo tempo na carreira.

      Outra maneira de induzir o comportamento dos agentes está na aplicação da remuneração por desempenho e por confiança. No entanto, o professor alertou que o sistema de confiança não funcionará bem se for aberto para muitas pessoas ou, ainda, se não houver também uma compensação financeira suficiente, que incentive o agente a assumir a função.

      Sundfeld explicou ainda que, dentro das carreiras típicas existe um modo comum de controle, a punição funcional, que é executada por meio de processos administrativos.

      Ele disse que, tradicionalmente, as carreiras organizadas são controladas por uma equipe de controladoria interna. No entanto, ele acredita que esse tipo de controladoria pode causar desconforto dentro do órgão, podendo, em alguns casos, não haver de fato a punição.  Por isso, ele defende que uma exteriorização desse controle pode ser mais positiva e certa de punição.

      Nesse sistema, o servidor é punido porque praticou ato agindo com culpa, por dolo ou porque não tomou os cuidados necessários que são exigidos na função pública. Nos últimos anos, somou-se a esse sistema de punição o chamado sistema externo, praticado por outros órgãos, como o Ministério Público, aplicando ações penais ou de improbidade. Até pouco tempo atrás, quando um servidor praticava um ato que viesse a ser considerado ilegal, a chance de ser punido era bem menor, lembrou.

      Segundo ele, isso mostra que o País está passando da responsabilização subjetiva, baseada em processo disciplinar, para a objetiva, que adota a punição. De acordo com o professor, o MP engajou-se fortemente na ideia de que o que faltava era a instalação de um sistema de responsabilidade objetiva. O Tribunal de Contas da União (TCU) caminha na mesma linha.

      No entanto, o professor Sundfeld afirmou que é preciso tomar bastante cuidado ao se adotar um sistema de punição pois, segundo ele, há riscos de opiniões diferentes, do ponto de vista do modo de ação funcional. A punição deve estar ligada ao modo de exercício da função, não exatamente quanto ao resultado; caso contrário, “o sistema se tornará absolutamente irracional”, afirmou.

      Ele defende que as missões de acompanhamento e controle da Administração não devem ser utilizadas para punir e, sim, para avaliar e mudar o que for necessário. “Nós estamos excessivamente focados em punição, como se tudo que se avalia negativamente deva virar motivo de punição”, lamentou.

      Ainda segundo o professor, dentro do sistema de controle deve haver uma ação de acompanhamento do que costuma ocorrer na realidade ou dentro da máquina administrativa para pensar nas ações futuras, para sugerir novas medidas, mudar as práticas em função da avaliação do que está acontecendo na realidade. No entanto, frequentemente, esse acompanhamento é exercido por órgãos que fazem o compartilhamento de poder de decidir e, na sua visão, é isso que tem acontecido no País.

      “O problema que acontece no Brasil é exatamente este: a aplicação de efeitos que são próprios de um sistema de controle a outro – a confusão dessas ideias de controle”, ressaltou o professor.

      Com relação ao sistema de revisão de atos, Sundfel entende que, se não existe a possibilidade de revisão de atos, o agente não saberá que ato tomar e continuará atuando da mesma forma. Esse sistema é importante para saber se os agentes públicos estão seguindo os atos determinados. Ele acrescentou ainda que, nesse caso, se um outro órgão puder revisar os atos, isso vai significar compartilhamento de poder.

      “Quando temos muita gente compartilhando poder ou revisando atos, o sistema tende a não funcionar porque, nesse caso, haverá uma trava decisória”, explicou. Em algumas situações, Sundfeld considerada importante o compartilhamento de poder, como acontece no Congresso durante a votação de projetos, em que uma matéria só pode ser aprovada por vontade da maioria. Mas, em outros casos, ele entende que essa ampliação de compartilhamento de poder acaba se tornando um problema, com o excesso de órgãos de revisão.

      Outro caso citado pelo professor é quando o órgão revisor tem um modelo para comparar e o modelo do revisado é diferente, como ocorre, por exemplo, em matérias de licitação. Ele lembrou que nesse caso, se não for possível conciliar os objetivos do órgão e da empresa licitadora, o sistema se tornará completamente esquizofrênico. “O Brasil sofre um grave problema com sistemas esquizofrênicos”, denunciou.

      Dentro de uma revisão de atos, deve-se sempre deixar claro se é para compartilhar poder ou determinar um ato pré-definido. “Precisamos discutir para não desmoralizar a ideia de controle por conta das suas atuais disfunções”, sugeriu o professor da PUC/SP.