Sumiu e ninguém viu: R$ 682 milhões

 R$ 682 MI NO BURACO E NENHUM CULPADO
 
Correio Braziliense – 09/09/2011
 
É o total de desvios no Ministério dos Transportes apurado pela CGU. Nenhum culpado foi apontado até agora.
 
 
     Auditoria realizada pela CGU por determinação da presidente Dilma Rousseff em oito obras e dois projetos revela prejuízo imenso ao erário. Apesar do flagrante descaso com a aplicação de recursos públicos, ninguém foi responsabilizado no relatório.
 
     Oito obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e dois projetos da Valec Ferrovias geraram um prejuízo estimado de R$ 682,2 milhões aos cofres públicos, o equivalente a 13,3% do valor dos empreendimentos, orçados em R$ 5,13 bilhões. Essa é a principal conclusão da auditoria especial realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) no Ministério dos Transportes, por determinação da presidente Dilma Rousseff.
 
     Depois de dois meses de investigação, iniciada logo após eclodir a crise na pasta comandada pelo Partido da República (PR), a CGU quantificou o montante de dinheiro que escorreu pelo ralo ou com potencial para ser desperdiçado. Nem todas as obras auditadas, porém, tiveram os prejuízos calculados. Também não há qualquer apontamento dos responsáveis pelo desvio e pelo mau uso do dinheiro público.
 
     A CGU eximiu de culpa, pelo menos nos trechos do relatório da auditoria divulgados ontem, o ex-ministro dos Transportes e senador Alfredo Nascimento (PR-AM) e seu sucessor no cargo, Paulo Sérgio Passos. Embora afirme no relatório que a auditoria foi realizada nas sedes do ministério, do Dnit e da Valec, as irregularidades mostradas se restringem à autarquia e à estatal, subordinadas à pasta. “Os trabalhos de apuração contaram com pleno apoio tanto do ex-ministro Alfredo Nascimento quanto do atual ministro, Paulo Passos”, cita o comunicado da CGU.
 
     Nascimento precisou renunciar ao cargo diante do escândalo no Ministério dos Transportes, uma crise que teve início nos primeiros dias de julho. Paulo Passos, que já havia exercido o cargo de ministro interinamente em períodos nos quais foram detectadas irregularidades, foi convocado a dar explicações na Câmara e no Senado após a deflagração da crise. Além do ex-ministro e do atual titular da pasta, ficaram fora do relatório da CGU todos os suspeitos de desviar dinheiro das obras, de superfaturar serviços, de cobrar propina e de aditivar contratos de maneira ilegal.
 
     A CGU sustenta que estão em curso sete procedimentos disciplinares e duas sindicâncias responsáveis por investigar mais de 30 servidores e ex-dirigentes do Dnit, da Valec e do Ministério dos Transportes. Mais de 20 deles já foram demitidos, o que não invalida os procedimentos internos que podem decidir por responsabilizações individuais e punições administrativas mais severas. Até agora, a CGU não definiu nenhuma penalidade. O maior efeito da crise foi político: o PR deixou a base aliada.
 
Açude
     Ao todo, a CGU detectou 66 irregularidades em 17 processos de licitação do Dnit e da Valec. O trecho da BR-101 que passa por Pernambuco é o mais problemático, conforme a auditoria. Os prejuízos somam R$ 53,8 milhões, principalmente em razão do superfaturamento da obra e de pagamentos por serviços que não foram realizados. O traçado original da rodovia, sob a responsabilidade do Dnit, chegou a prever um trecho dentro de um açude da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). O reservatório objetiva o fornecimento de água para a cidade de Ribeirão.
 
     No caso da Valec, a auditoria da CGU constatou a precariedade da fiscalização dos contratos para a construção da Ferrovia Norte-Sul. A estatal deixou de tomar providências para irregularidades anteriormente apontadas pela própria Controladoria. Outro projeto, da embrionária Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), é responsável pelo maior prejuízo apontado: R$ 279,7 milhões, em razão do superfaturamento no orçamento das obras de sete lotes. O projeto que serve como referência para a contratação das empreiteiras já estava superfaturado, o que potencializa a possibilidade de gastos indevidos, principalmente com terraplanagem, como cita a auditoria.
 
E eu com isso
 
     A corrupção no Ministério dos Transportes, em especial no Dnit e na Valec, subordinados à pasta, tem um impacto direto na vida do cidadão. O desvio do dinheiro tem um efeito prático: obras importantes se arrastam por anos, são suspensas por órgãos de fiscalização e deixam de prestar um serviço almejado por décadas por diferentes comunidades, bairros, cidades ou estados inteiros.
 
     A crise no ministério evidenciou esse lado prático da corrupção. Uma ponte esperada por uma comunidade no Acre nunca ficou pronta. Uma rodovia no Paraná, estrada de chão desde sua fundação, nunca foi pavimentada. Os trilhos de uma ferrovia nunca saíram da prancheta, enquanto produtores rurais aguardam melhores condições de infraestrutura e os consumidores finais pagam mais caro pelos produtos escoados por esburacadas rodovias e pela manutenção de seus veículos.

Manual da fraude
 
     O lote 7 da BR-101, em Pernambuco, é apontado pela auditoria da CGU como um resumo das irregularidades praticadas pelo Dnit. Além da restrição à concorrência para contratação da empreiteira e de superfaturamento — recorrentes problemas nas obras do Dnit —, a CGU cita um laudo técnico elaborado pela Polícia Federal (PF) que comprovou graves defeitos no trecho, “comprometedores dos padrões funcionais e da vida útil da rodovia”. “O pavimento rígido tem nível de conforto similar ao de pavimentos deteriorados.” 


     Já a Superintendência do Dnit no Espírito Santo, conforme a auditoria da CGU, usou fotos idênticas em diferentes processos de medição da BR-101. “O objetivo foi comprovar serviços que deveriam ter sido executados na rodovia.” Serviços foram pagos e deixaram de ser executados na BR-101, na BR-262 e na BR-342, como limpeza de meio-fio, operação tapa-buraco e capina manual. “Embora os prejuízos causados sejam discretos, trata-se de um tipo de fraude comum, observada em centenas de contratos espalhados por todo o país”, cita o relatório da CGU.
 
     No caso dos projetos de ferrovias, tocados pela Valec, o principal problema é o superfaturamento já na elaboração dos orçamentos pela estatal. “É possível constatar a precariedade dos projetos de engenharia e o modo como essas deficiências contribuem para a geração de superestimativas nos orçamentos, para o sobrepreço nos contratos e para o superfaturamento das obras, com prejuízo aos cofres públicos”, diz a auditoria.
 
     O relatório será encaminhado aos órgãos citados na investigação, à Casa Civil da Presidência da República, à Comissão de Ética Pública da Presidência, ao Tribunal de Contas da União (TCU), ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal. Em nota, o ex-ministro Alfredo Nascimento disse que as conclusões da CGU não esclarecem o suposto envolvimento em irregularidades e fraudes dos integrantes da equipe que ele liderou na pasta.