Presença de militares na área da saúde federal cresce 94,55% em quatro anos

O número de fardados cedidos para cargos civis na administração federal chegou a 6.157 no ano passado, um aumento de 108% sobre 2016

A presença de militares na área de saúde do governo federal aumentou 94,55% desde 2016 até 2020, aponta o estudo “A Militarização da Administração Pública no Brasil: projeto de nação ou projeto de poder?”, do professor William Nozaki, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), elaborado para o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate).

É a área onde houve maior aumento relativo do número de militares no governo. Passaram de 642 para 1.249 no período.

No total, o número de fardados cedidos para cargos civis na administração federal chegou a 6.157 no ano passado, um aumento de 108% sobre 2016, aponta o estudo, com base em dados do Tribunal de Contas da União (TCU).

“O número de militares no governo vem crescendo desde a Nova República, mas deu um salto exponencial no governo de Jair Bolsonaro”, disse Nozaki. Essa expansão, porém, não parece associada a um projeto estruturado. “É uma estratégia corporativa de estar presente em um número cada vez maior de órgãos, uma ocupação pela ocupação.”

A presença de militares não é necessariamente ruim, avalia o professor. “Eles podem ocupar cargos, têm qualificação para isso, mas desde que seja nas áreas em que têm expertise”, ponderou.

A passagem do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é apenas um exemplo de gestão problemática, avaliou o professor. Mas há outros, como o surgimento de uma carga de cocaína num avião da comitiva presidencial que Gabinete de Segurança Institucional (GSI) não foi capaz de impedir, ou as queimadas na Amazônia que resistem ao trabalho do vice-presidente Hamilton Mourão.

“Incomodava essa ideia de os militares parecerem infalíveis, mas tem fracassos retumbantes como o do ministro Pazuello”, afirmou o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.

Ele informou que o estudo faz parte de uma série que pretende dar bases para a discussão da reforma administrativa. “É uma reforma que vai mexer profundamente no serviço público, mas pode ser criado um nicho para os militares”, comentou.

O acúmulo de experiências mal sucedidas na gestão por militares, principalmente após o início da pandemia, faz com que a coesão do grupo em torno de Bolsonaro se enfraqueça, avaliou Nozaki. As críticas públicas do general Santos Cruz ao governo e a demissão do ex-comandante do Exército Edson Pujol são demonstrações desse ciclo, que ele classifica como o terceiro momento na relação do presidente com as Forças Armadas.

O primeiro momento foi logo após a eleição, quando Bolsonaro se apoiou nos militares para poder se legitimar. O segundo, quando os fardados foram ocupando espaços que se abriam no governo quando crises atingiam gestores civis.

Mesmo sem que tenham um projeto claro de poder, a maior presença dos militares os coloca em posição de “impor alguma tutela sobre o bolsonarismo, caso a conjuntura conduza a esse cenário”, diz o estudo. Nem a política econômica estaria a salvo, na avaliação do professor. Ele acredita que os militares, “não por nacionalismo ou industrialismo, mas por pragmatismo e funcionalidade, podem operar ligeira mudança na condução econômica em breve.”

A ocupação de postos estratégicos tem rendido dividendos aos militares. O estudo aponta, por exemplo, que as despesas com pessoal do Ministério da Defesa passaram de R$ 49,9 bilhões em 2014 para R$ 89,4 bilhões este ano. Em 2019 a 2020, a pasta teve seu maior orçamento histórico, com média de R$ 105 bilhões, diz.

Procurado, o Palácio do Planalto informou que não se pronunciaria a respeito. A pasta da Saúde não havia respondido até o fechamento deste material.

Por meio de nota enviada nesta sexta-feira (21), o Ministério da Defesa ponderou que o estudo apresenta a evolução de gastos com pessoal é apresentada em valores correntes. “De acordo com o IPCA-IBGE, a variação real das despesas com pessoal de 2014 a 2020 foi de aproximadamente 26%. Ademais, cabe ressaltar que os referidos gastos se mantiveram em um patamar próximo de 1,2% do PIB durante o período, registrando inclusive um decréscimo de 0,02 ponto percentual entre 2014 e 2020”, informou a pasta.

A pasta questionou também outra afirmação do estudo, a de que seu orçamento teve um pico histórico em 2019 e 2020, atingindo R$ 105 bilhões. Para o ministério, esse trecho do documento “pode induzir o leitor a se confundir e interpretar como sendo um aumento absurdo de gastos com pessoal”. “Entretanto, salienta-se que os valores destinados às despesas de pessoal do MD tiveram uma variação real, nesse período, de apenas 1,71%.”

 

Fonte: Valor Econômico