Pressionado pelo Supremo, governo decide retirar MP

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu retirar do Congresso a Medida Provisória (MP) 430, editada na semana passada, que liberou R$ 7,6 bilhões em créditos extraordinários a fim de garantir reajuste salarial a servidores civis e militares. Para cumprir o acordo firmado com o funcionalismo, o governo enviará um projeto de lei em regime de urgência constitucional ao Legislativo. Vitoriosa no episódio, a oposição promete aprová-lo até o fim deste mês. O recuo do presidente decorre da combinação de três fatores.

Na última quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu pela primeira vez na história, por seis votos a cinco, a vigência de uma MP de créditos extraordinários. Os ministros alegaram que o texto foi baixado, em dezembro de 2007, apesar de não haver “urgência” e “relevância” a justificá-lo, como exige o artigo 62 da Constituição. Com a decisão, deixaram claro que derrubariam outras MPs de créditos, pois tais textos dariam ao Execut ivo o poder de criar um “Orçamento da União paralelo” — ou seja, que não foi votado pelos parlamentares.

Em nome do respeito à decisão do Judiciário e do combate ao excesso de medidas provisórias, a oposição ameaçou obstruir as votações na Câmara e no Senado. O alerta foi dado ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Em vez de partir para o confronto com o PSDB e o DEM, Jucá preferiu aderir à ofensiva pela retirada da MP dos servidores. Convocou para a campanha outros ali ados de Lula, como os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Ambos empunham como bandeira a mudança no rito das medidas provisórias.

“O governo tem respeito pelo Supremo. Também entende que a medida provisória pode ser usada. Mas, para que não prevaleça nenhum tipo de embaraço ao clima de votação, construímos o entendimento”, disse Jucá da tribuna. Além de prever a aprovação do projeto de aumento salarial do funcionalismo ainda em maio, o acerto selado previa também a votação, na noite de ontem, de duas medidas provisórias que trancavam a pauta do Senado: uma sobre o programa oficial ProJovem, outra sobre a venda de bebidas alcoólicas em rodovias federais.

Paternidade
“Acho que prevaleceu o bom senso e o respeito à Constituição e ao Supremo Tribunal Federal. Em muito boa hora, em gesto de recuo democrático, o governo retira a MP”, declarou o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), que reiv indicou para ele a paternidade do acordo. “É um belo passo que se dá hoje. Mas é fundamental que outros episódios de livre arbítrio do presidente não ocorram mais. Vitorioso é o governo que cede democraticamente”, acrescentou o líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (AM).

Em março, em reunião do chamado conselho político, o presidente disse que pretendia encaminhar a proposta de reajuste salarial dos servidores via projeto de lei, como demonstração de boa vontade com a discussão sobre a mudança no rito das MPs. Acusando o golpe e a ironia de Lula, líderes de partidos governistas pediram ao presidente que usasse uma medida provisória. Na ocasião, alegaram que teriam dificuldades de lidar com a tramitação de um projeto de lei e, mais especificamente, com a pressão de categorias que querem aumento em seus vencimentos, mas não foram contempladas no pacto firmado com o governo.

O temor de um novo trem da alegria volta ao Palácio do Planalto com a decisão de ontem. A vo tação a toque de caixa é a aposta para impedi-lo.

entenda o caso
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No início deste ano, os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), anunciaram a disposição de mudar o rito de tramitação das medidas provisórias. A idéia, defendida há cerca de uma década por antecessores de ambos, era criar regras destinadas a conter a enxurrada de MPs assinadas pelo presidente da República. Em deferência aos discursos dos dois parlamentares, alinhados ao Palácio do Planalto, Lula resolveu reduzir a edição de tais textos.

Mas, como o tempo passou e o Congresso não tirou do papel as alterações prometidas, o presidente desistiu da espécie de moratória e resolveu retomar sua veia legislativa. A auxiliares, declarou que não podia mais esperar uma definição dos parlamentares, pois tinha acordos a cumprir e projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a executar. Além da MP do funcionalismo, a expectativa era de que outras medidas fossem baixadas a fim de impulsionar as obra s de transposição do Rio São Francisco e autorizar a contratação de professores para escolas técnicas e universidades.

O plano seria cumprido à risca não fosse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Uma semana antes de assumir o comando do STF, Mendes colocou em votação uma ação do PSDB contra MP que liberou R$ 5,5 bilhões em créditos extraordinários. O julgamento foi concluído na semana passada, com derrota do governo. O resultado criou uma oportunidade únic a para Legislativo e Judiciário retomarem a pressão sobre o Executivo. A chance não foi desperdiçada, e a ofensiva surtiu, ontem à noite, o resultado esperado.
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