Reajuste sem data

A decisão de converter a medida provisória (MP) que libera crédito extra para custear o reajuste do funcionalismo em projeto de lei (PL) abriu divergências internas e obrigou o governo, a mais uma vez, render-se à agenda política. Com isso, o aumento prometido a 800 mil civis e 700 mil militares corre o risco de atrasar. Até terça-feira, área técnica e até ministros vão mergulhar de cabeça em busca de saídas que preservem o compromisso assumido com parte significativa da Esplanada.

Contrário à retirada da MP, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, conversou com o colega José Múcio, das Relações Institucionais, e com o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). “Disse que, caso concordássemos em retirar a MP do crédito teríamos de retirar também a MP que deu o reajuste”, afirmou ao Correio. Junto com a proposta que abre crédito suplementar ao Orçamento deste ano, seguiu para o Congresso Nacional outra que detalha os percentuais e as datas de aumentos para 17 categorias do Executivo federal civil.


Na avaliação de Bernardo, o problema tem grandes chances de ser resolvido, basta o governo e os parlamentares se empenharem em chegar a um acordo. “O reajuste vai ser implementado”, resumiu o ministro.

No início da noite, Paulo Bernardo concluiu o rascunho daquilo que deverá ser uma solução alternativa. “Estamos pensando em mandar o PL e, sendo aprovado, retiramos a MP do crédito”, explicou.

O governo decidiu retirar do Congresso Nacional a MP 430, editada na semana passada, para evitar confrontos na Justiça e novos desgastes com a oposição. A medida que libera R$ 7,56 bilhões é necessária para financiar as reestruturações de carreira do funcionalismo civil e o aumento dos soldos dos militares, ambos contemplados em outra MP, a 431. O Orçamento 2008 reserva apenas R$ 3,4 bilhões para aumentar salários dos servidores.

Decisão acertada

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, a decisão de retirar a MP é acertada. De acordo com ele, houve “uma pausa para reflexão” e o Executivo dá sinais de que está disposto a alterar suas práticas.

Há cerca de 10 dias, o STF decidiu que a União não pode solicitar crédito suplementar por meio de MP, a menos que isso seja estritamente fundamental ou emergencial.

No Senado, as reações também foram positivas. Garibaldi Alves, presidente da Casa, afirmou que o funcionalismo não será prejudicado pelo acordo costurado entre o líder do governo e os parlamentares de oposição. “Há uma firme disposição de aprovar esse projeto de lei no mesmo tempo, no mesmo prazo das medidas provisórias que tratam do aumento de salário”, reforçou. Garibaldi disse que o funcionalismo deve ficar “absolutamente tranqüilo”.

Entre os servidores as repercussões não foram tão boas. Sindicatos já se mobilizam para pressionar os parlamentares da base aliada e os de oposição. Por PL, o crédito extraordinário pode não ser aprovado em tempo. Sabendo disso, as entidades sindicais temem que, ao contrário do que ficou acertado, o aumento não seja incluído nos salários de maio, pagos em junho.

 

Desconto limitado

 

A batalha nos tribunais entre a União e os auditores da Receita Federal esquentou ontem. Em decisão liminar, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou que o corte de ponto dos servidores que aderiram à greve iniciada em março só poderá comprometer 10% do salário.

O primeiro desconto nos contracheques dos grevistas ultrapassa esse percentual

no pagamento de maio, pago em junho. O abatimento corresponde a sete dias de trabalho, ou 23% da remuneração, e afeta 6.638 funcionários. Outros dois descontos estão programados para acontecer nas folhas de junho e julho, mas com a decisão do STJ esse parcelamento deverá se estender por mais tempo.

Alternativa

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ressaltou que ampliar o horário de expediente também pode ser uma alternativa para “a recuperação das horas de trabalho que a greve consumiu”. Com o gesto do Superior Tribunal de Justiça, governo e sindicatos voltam-se para novas estratégias. O Ministério do Planejamento acredita que a última palavra será dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Enquanto isso não ocorre, prevalece a determinação de descontar nos salários o quanto for possível. Já que não conseguiu punir os grevistas no mês passado, a Receita Federal quer dar o exemplo agora e, para isso, conta com o apoio do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos estados, as disputas jurídicas se arrastam. Atualmente, há liminares que proíbem o desconto dos dias parados ou impõem condições ao desconto em 17 unidades da Federação. Mesmo onde os sindicatos que representam os auditores perdem as ações, os recursos estão sendo julgados.

 

ANÁLISE DA NOTÍCIA

 

Constrangimento na Esplanada

 

Os relógios dos políticos, definitivamente, ignoram a realidade. Depois de ter sido obrigado a adiar por mais de dois meses o envio da proposta de aumento dos servidores ao Congresso Nacional e de ter negociado à exaustão, inclusive com os parlamentares oposicionaistas o formato do pacote, agora o governo se vê diante do constrangimento de passá-lo a limpo outra vez.

Isso é lamentável. Especialmente porque acordos foram firmados desde 2007 e as categorias aguardam desde o início do ano por uma definição que nunca chega. Se sai a medida provisória e entra o projeto de lei tudo pode acontecer. Até o pior, ou seja, que o próximo pagamento continue exatamente como o último.

Nesse sentido, o ministro Paulo Bernardo tem toda a razão de ficar irritado com as articulações de última hora feitas pelas lideranças do governo no Parlamento. Pressionado pelos sindicatos, Bernardo deu sua palavra de que não haveria perigo de os acordos ficarem para depois. Quando parecia tudo certo, deu errado. É quase como aquela frase do craque Garrincha: esqueceram de combinar com os russos.