Servidores usam o peso do voto contra a reforma administrativa

Governo foi alertado pelos seus próprios técnicos sobre risco de ações judiciais e de novo levante social como o ocorrido em 2013

Tão logo vazaram detalhes da proposta de reforma administrativa do governo, como a criação de mecanismos que possibilitariam a redução de 25% dos salários, com proporcional redução de jornada de trabalho, e o fim da estabilidade dos futuros servidores, entre outros pontos, representantes do funcionalismo iniciaram um périplo pela Esplanada dos Ministérios e pelo Congresso Nacional na tentativa de barrar as mudanças. O alcance das medidas encorajou uma rara união: carreiras de Estado (os cerca de 20% do topo da tabela remuneratória) se aliaram timidamente ao carreirão (os 80% da base), enquanto centrais sindicais passaram a cobrar explicações dos órgãos oficiais. A mobilização ajudou a travar o ímpeto reformista do Planalto, mas os principais responsáveis pela decisão de postergar a entrega do pacote ao Congresso Nacional foram os próprios técnicos do governo — embora a equipe econômica tenha resistido, diante da necessidade de ajuste das contas públicas —, afirmam servidores.

 

No embate com o Executivo e o Legislativo, o funcionalismo usa um trunfo importante: as eleições municipais de 2020 e o poder que tem de influenciar votos. “Setores do próprio governo alertaram o presidente da República para o risco de uma enxurrada de ações judiciais e para o impacto social da reforma, que provocaria a perda de poder de compra dos envolvidos”, diz Rudinei Marques, presidente do Unacon Sindical e do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate). Juarez Freitas, professor de direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em serviço público, elenca dois principais argumentos para mostrar a inconveniência do momento para se avançar na reforma administrativa.

 

“O primeiro é social: os servidores e suas famílias já passaram pelo trauma da reforma da Previdência. E o segundo é jurídico: qualquer mudança tem que ser daqui para frente, sob pena de causar, além de revolta, uma onda de aposentadorias em setores vitais, como Receita Federal e Polícia Federal, entre outros”, diz Juarez Freitas. Além disso, com o país em grave crise econômica, “uma reforma administrativa com redução de salário pode ser o gatilho para movimentos sociais como o de 2013, já que, logo em janeiro, vem o aumento dos transportes públicos”, informam fontes do governo.

 

Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado e professor do Insper, defende mudanças no perfil de remuneração dos servidores, e em aspectos como sindicalização, direito de greve, estabilidade — e, consequentemente, na própria estrutura de poder das carreiras de Estado. Ele diz que a “reforma administrativa é bastante simples”. Basta o governo estancar uma despesa por pelo menos 60 anos. “O servidor trabalha cerca de 20 anos, fica em média mais 30 anos aposentado e paga, aproximadamente, mais 10 anos de pensão”. Ele apoia também a redução de salário no acesso ao serviço público e um controle da estabilidade. “Nem todas as categorias precisam de estabilidade, somente as essenciais. E também temos que discutir quais são as essenciais”, disse.

 

Já a economista Ana Carla Abrão, ex-servidora do Banco Central e ex-secretária de Fazenda de Goiás, diz que itens como avaliação de desempenho, estágio probatório, mobilidade, revisão das carreiras, promoções e progressões automáticas precisam ser alterados “para o próprio bem do servidor”. “O funcionário público não está sendo valorizado, ao contrário, tem sido responsabilizado. Não conheço a reforma administrativa que vai ser apresentada pelo governo, a não ser pelo que li nos jornais. Mas tenho certeza de que a reforma não pode ser só daqui pra frente. Tem que discutir o modelo atual. O Brasil não pode continuar como está. Precisamos reformar, precisamos discutir, precisamos rever”, reforça.