O Brasil perante uma crise sanitária e humanitária
- O Brasil vive uma crise sem precedentes, com sistema hospitalar em colapso, sobrecarga do sistema de saúde e impasses quanto ao auxílio emergencial
- A situação poderia ter sido evitada se governantes tivessem adotado políticas públicas com antecedência e baseadas nas melhores evidências científicas
- Apresentamos nesta nota o que e consideramos ser decisões de mitigação de danos a serem adotadas imediatamente
O número de casos e mortes por COVID-19 atingiu dimensões assombrosas no Brasil. Este crescimento sem precedentes está agora causando o colapso generalizado do sistema hospitalar e a sobrecarga dos outros níveis do sistema de saúde que vemos na maioria dos estados do país. Esta situação foi antecipada, e medidas para evitá-la poderiam ter sido adotadas há meses, quando já se sabia que as ações vigentes eram insuficientes ou inadequadas e não tiveram a adesão necessária, e que variantes mais transmissíveis do vírus estavam surgindo. A falta de ações de mitigação ou supressão em tempo hábil resultou no estado de emergência no qual, lamentavelmente, nos encontramos.
Somamo-nos às muitas vozes que chamam atenção para a gravidade do momento. O que o Brasil está vivendo é uma catástrofe sanitária. Por todo o país, as taxas de ocupação de leitos de UTI já passam dos 80% e, em mais da metade dos estados, já ultrapassam 90%. Listas de espera por vagas em UTI foram criadas, sendo a cada instante mais frequente a morte de pessoas à espera por vagas hospitalares. Também há esgotamento dos estoques de medicamentos, assim como é dramática a dificuldade de reposição de oxigênio nos hospitais por causa do aumento do consumo. Soma-se a isso a escassez de profissionais de saúde qualificados para atuar em UTIs, emergências e demais serviços de porta aberta, além da sobrecarga física e mental destes profissionais. Milhares de pessoas com indicação clínica de cuidados intensivos estão internadas fora de UTIs, sem assistência adequada, e sem a possibilidade de transferência para outras regiões do país, porque todas se encontram sobrecarregadas. Se é certo que precisamos aumentar o número de leitos e buscar todos os insumos para a adequada assistência hospitalar, também é certo que isso não detém o espalhamento do vírus e não se dá na mesma velocidade da disseminação da doença. Mesmo as pessoas que têm acesso a leitos de UTI têm um risco alto de morrer. Em resumo, se mantido o crescimento acelerado atual do número de casos, não há possibilidade de atendimento hospitalar adequado e o número de mortes evitáveis vai aumentar ainda mais.
Diante dessa situação de calamidade, temos que fazer imediatamente tudo o que está ao alcance para cuidar das pessoas já acometidas pela COVID-19, e também conter as cadeias de transmissão do vírus. Além de assegurar a expansão de leitos de UTI equipados, com profissionais adequadamente treinados de modo a reduzir a letalidade, o governo deve implementar e reforçar ações coordenadas nacional e regionalmente de redução drástica da circulação de pessoas, com fechamento de estabelecimentos que prestam serviços não essenciais e restrição de viagens não essenciais entre municípios e estados. Deve, também, reforçar a comunicação com mensagens claras e mais explícitas sobre a necessidade de proteção individual. Ato contínuo, devem acompanhar rigorosamente o efeito dessas medidas e planejar a forma segura de reabertura gradual dos setores fechados. Reforçar investimentos para melhoria da vigilância epidemiológica e genômica são essenciais para que novos colapsos e picos de casos, hospitalizações e óbitos não ocorram.
Junto a essas ações, é também necessária a adoção imediata de medidas de proteção social para as pessoas mais vulneráveis e para os setores afetados. Nesse contexto, entendemos o auxílio emergencial não como uma medida econômica, mas como uma política de saúde pública. O valor do auxílio deve ser suficiente para que as pessoas parem de circular e permaneçam em casa. Só assim o auxílio emergencial contribuirá para conter as cadeias de transmissão. A proposta do governo de reinstituir o auxílio a partir de R$ 150,00 mensais, chegando a um máximo de R$ 300,00 por mês, para um número bastante restrito de pessoas, não condiz com esta necessidade. Só é possível viabilizar o fechamento de serviços e comércio com uma política que atenda às necessidades dos mais vulneráveis. O fechamento de estabelecimentos não-essenciais precisa ser acompanhado do retorno do auxílio emergencial ao valor de R$ 600,00 para garantir a subsistência das famílias nesse momento de alta inflação nos itens da cesta básica. Para as empresas afetadas pela pandemia, linhas de créditos, redução de impostos e outras ações no campo econômico são também importantes.
Na irresponsável ausência de coordenação por parte do governo federal frente à calamidade que vivemos, é necessário que os governadores e prefeitos ajam de acordo com as melhores informações e evidências científicas disponíveis, de forma tempestiva e consonante com a gravidade do momento. A passividade neste momento não é uma opção aceitável e, inexoravelmente, levará a óbitos que poderiam ser evitados, ao aumento de pessoas que viverão com sequelas da COVID-19 e a uma retomada econômica mais lenta e tardia.
Outro ponto chave é a comunicação do poder público com a população. A comunicação precisa ser clara, franca e objetiva, dando a dimensão exata da situação sanitária e de quais medidas de prevenção são realmente efetivas. Além disso, investimentos e ampliação da testagem e rastreamento de contatos são componentes fundamentais para controle da pandemia, exigindo reforços nas equipes de vigilância epidemiológica. Por fim, é urgente investir na vacinação em massa da população em esforço coordenado dos três níveis de gestão e seguindo as responsabilidades previstas no Programa Nacional de Imunizações. Apenas com medidas de contenção do vírus e com a grande maioria da população vacinada o Brasil dará os passos para sair dessa crise sem precedentes.
Quanto a ações individuais, é preciso que as pessoas estejam ainda mais atentas às medidas já conhecidas: que fiquem em casa sempre que possível, que respeitem as recomendações de distanciamento físico e de não aglomeração, e que usem adequadamente máscaras eficazes. O uso de máscara, em virtude de sua eficácia comprovada na redução da transmissão do SARS-CoV-2, deve não somente ser incentivada pelos gestores de todos os entes, mas também viabilizada através da doação de máscaras com padrão adequado como também ser uma política ativa de estados e municípios com capacidade de fornecê-las às populações em situação de vulnerabilidade e trabalhadores de serviços essenciais.
As decisões a serem tomadas nos próximos dias terão grande impacto no futuro da epidemia no país. Não há tempo a perder. A superação deste estado de calamidade depende de uma ação forte, coordenada, dialogada com a sociedade e baseada nas melhores evidências científicas. Só assim poderemos reduzir a carga de casos e mortes por COVID-19 no país e possibilitar a retomada de níveis normais de atividade social e econômica.
Pelo Observatório Covid-19 BR
Alexandra Crispim Boing – UFSC
Ana Cristina Vidor – Vigilância Epidemiológica de Florianópolis
Ana Freitas Ribeiro – Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Andrea Sánchez-Tapia – Observatório Covid-19 BR
Antônio Augusto Moura da Silva – UFMA
Antonio Fernando Boing – UFSC
Brigina Kemp – Cosems
Caroline Franco – UNESP
Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques – Fiocruz
Flávia Ferrari – Observatório Covid 19 BR
Flávia Maria Darcie Marquitti – Unicamp
Guilherme Loureiro Werneck – UERJ
Guilherme Valle Moura – UFSC
Janaina Vargas de Moraes Maudonnet – Observatório Covid-19 BR
José Cássio de Moraes – FCMSCSP
Josimari Telino de Lacerda – UFSC
Laura Segovia Tercic – Unicamp
Leonardo Bastos – Fiocruz
Lorena Barberia – USP
Luiz Celso Gomes Jr. – UTFPR
Marcelo Eduardo Borges – Observatório Covid-19 BR
Marcelo Gasparian Gosling – Observatório Covid-19 BR
Marcia Castro – Harvard University
Maria Amélia Veras – FCMSCSP
Maria Rita Donalisio – Unicamp
Monica de Bolle – Johns Hopkins University
Paulo Inácio K. L. Prado – USP
Rafael Lopes Paixão da Silva – UNESP
Raphael Parmigiani – Observatório Covid 19 BR
Renato M. Coutinho – UFABC
Roberto A. Kraenkel – UNESP
Tatiana P. Portella – USP
Tatiane Moraes – Fiocruz
Verônica Coelho – INCOR/USP
Vitor Mori – University of Vermont
Esta carta expressa exclusivamente a posição dos signatários. Não expressa o posicionamento das instituições a que os signatários estão vinculados.
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Fonte: publicado originalmente em Observatório Covid-19 BR