Fernando Antunes concede entrevista ao Blog do Servidor

“Pagamento do funcionalismo pode atrasar”, diz Antunes

O pessoal do Tesouro Nacional decidiu cruzar os braços. As conseqüências, caso a paralisação se estenda por muito tempo, podem ser desastrosas, alerta Fernando Antunes, presidente da União Nacional dos Analistas e Técnicos em Finanças e Controle (Unacon).


Por que o Tesouro Nacional decidiu pela greve?

Porque o governo está dando um tratamento diferenciado à categoria. Os salários do Tesouro, historicamente, sempre guardaram uma relação de muita proximidade com os salários da Receita e desta vez a proposta do governo corrige os salários em proporção desigual, deixando o salário do Tesouro sem competitividade no âmbito das carreiras de Estado.

Onde está o erro?

O governo Lula está devendo ao país uma nova política salarial para o setor público. Nesse plano o governo Lula está agindo da mesma forma que o anterior: pega as demandas dos servidores, dá um tratamento subjetivo e define os salários dos grupos. É inegável que houve um movimento para cima. Os salários menores estão tendo uma forte recomposição. Isso é bom, porque se a economia cresce o servidor também deve se aproveitar desse momento de crescimento. Com relação aos salários mais elevados há correção, mas em patamares mais moderados. Em termos de política salarial, isso parece que tem lógica, mas tudo deveria estar dentro de um plano visível para todo mundo.

Mas os aumentos, em percentuais, são bons.

Apesar do aumento médio autorizado ao funcionalismo ser em torno de 40% devemos nos perguntar: os salários no setor público estão extrapolando a Lei de Responsabilidade Fiscal? A resposta é não. Com esses aumentos, a proporção do PIB vai passar de 5%? Não. O que o governo está fazendo é um artifício político. Dá um aumento que deixa os servidores aparentemente bastante satisfeitos, mas não lembra que a inflação neste e nos próximos anos será alta, chegando ao acumulado de cerca de 19% em 2010. Se por um lado as pessoas só enxergam o crescimento da folha, por ro é preciso tirar a inflação futura e observar o crescimento da receita global. O governo não está inovando, está criando um ilusionismo salarial.

Por que a proposta do governo não agrada?

A proposta apresentada pelo governo é impossível de se aceitar devido a uma situação peculiar da carreira: somos a única em que aposentados recebem o mesmo que os ativos. Há uma decisão judicial. Cerca de um terço dos analistas e técnicos ficarão sem aumento nenhum inclusive depois da terceira parcela em 2010. O Ministério do Planejamento e a Secretaria de Recursos Humanos estão insensíveis a esses argumentos.

O que vocês querem?

Queremos que o governo fixe nossos salários em patamares próximos aos da Receita Federal. Ao longo dos últimos 20 anos eles se igualaram ou ficaram em 97% daquilo pago ao pessoal da Receita. Concordamos com 93%, 95% em 2009 e a equiparação em 2010. O governo está querendo aumentar a diferença entre as carreiras que hoje é de R$ 1,5 mil no nível inicial para R$ 3 mil. A evasão de profissionais vai aumentar, essa canibalização, quando um servidor sai de uma carreira para outra, vai aumentar. A Secretaria de Recursos Humanos acha isso bom, mas isso é grande um equívoco.

A greve causará que tipos de prejuízos?

Entre o dia 20 e o dia 30 do mês há a liberação de dinheiro para o pagamento da folha de pessoal dos três Poderes. É claro que seremos responsáveis, estamos falando do salário de pessoas, mas todos têm de ficar atentos porque pode haver um atraso no pagamento de alguns dias considerando que só 30% da força de trabalho estará atuando. O pagamento do funcionalismo pode ser afetado. Os projetos de prefeitos e governadores em análise no Tesouro podem atrasar também. Os leilões da dívida pública podem ter volumes negociados abaixo dos normais. Pode haver ainda uma diferença entre oferta e resgate de títulos. Nenhuma greve é boa de ser anunciada. Estamos seguindo esse caminho pela intransigência do Ministério do Planejamento.

Na Esplanada, chamam os servidores do Tesouro de primos ricos. No momento em que tantas categorias brigam por aumento, uma greve agora não reforça ainda mais essa imagem?

O setor público tem a mesma má distribuição salarial que o Brasil. Nós, das carreiras de Estado, que somos mais bem remunerados, entendemos que é preciso ter um plano de salário que recupere o poder de compra de todos os trabalhadores do funcionalismo. Mas é preciso encarar esse problema com muito realismo. Não dá para imaginar que todo mundo vai ganhar R$ 15 mil. Isso não acontece nem aqui, nem na Europa, nem em qualquer país do mundo. Há diferenças salariais. Se hoje a diferença entre o maior e o menor salário está em torno de sete vezes somos a favor que essa amplitude diminua. O que precisamos fazer é uma discussão séria. O que não dá é para dizer: ‘enquanto eu recomponho os salários de baixo vocês aí de cima vão ficar perdendo para a inflação’. Isso não é admissível. A reorganização do Estado brasileiro é um dos bons debates que temos de fazer.

O governo fala em concluir as negociações neste mês para, aí sim, enviar a segunda medida provisória ao Congresso Nacional. Vocês não temem ficar de fora desse pacote?

Estamos em uma luta e toda luta tem riscos. A nossa disposição ao diálogo é total. Se ficarmos de fora da MP será por intransigência do governo em examinar nossos argumentos. Quem vai ter de explicar depois à sociedade por que o Tesouro não está funcionando direito é o secretário de recursos humanos, Duvanier Paiva